EU SEI QUEM SOU

Saudação a Búzios

Paulo Briguet · 18 de Dezembro de 2020 às 13:07

Manifestação contra o lockdown é um exemplo de coragem e esperança para o povo brasileiro

“A beleza é a verdade, a verdade a beleza” ― é tudo
O que sabeis na terra, e tudo que deveis saber.

(John Keats, Ode sobre uma urna grega)
 

Em Armação de Búzios, a beleza está por toda parte. Não foi por acaso que a até então minúscula aldeia de pescadores se tornou um polo turístico conhecido mundialmente após os quatro meses em que a atriz Brigitte Bardot permaneceu no lugar. Na época, Bardot era um ícone da beleza feminina, e como tal foi imortalizada na escultura da artista paulistana Christina Motta (1944-). Mas não é apenas a escultura de Bardot que atrai a atenção dos turistas em Búzios. Há também “Os Três Pescadores”, de autoria da mesma artista, um espetacular exemplo da beleza criada simultaneamente pelas mãos humanas (a escultura) e pelas mãos divinas (a natureza). Muitos que por ali passam têm a clara impressão de que os três pescadores estão vivos. E eles estão ― no mundo das coisas eternas.

No entanto, Christina Motta não é a única artista que nos presenteia com o seu talento em Búzios. Há também os inesquecíveis Dom Quixote e Sancho Pança esculpidos em bronze pelo mestre argentino Domingos Soto (1938-2013). Por toda parte, em Búzios, topamos com a figura do Quixote, reproduzida por Soto ou por seus discípulos. E isso também tem um sentido.

Há uma frase do Cavaleiro de Triste Figura que, dita logo no início do romance de Cervantes, é usada como uma espécie de lema por nosso querido professor Olavo de Carvalho:

― Yo sé quién soy.

Eu sei quem sou. Nessas quatro palavrinhas de Alonso Quijano (o nome civil de Dom Quixote), há todo um universo de significados. Quando você olha no espelho e sabe quem ali está refletido, a sua vida ganha sentido e autenticidade. E são justamente esse sentido e essa autenticidade que os poderes políticos do país, notadamente o Judiciário, vêm tentando arrancar do povo brasileiro durante a pandemia.

Fique em casa. Não trabalhe. Não aglomere. Não reclame. Não se aproxime. Não toque. Não se mova. E ― sobretudo ― não fale. Nossas liberdades estão sendo assassinadas por um vírus com baixa letalidade ― e que tem cura. Mas, com relação a esse último ponto, existe uma outra ordem: não cure. Eliminar a doença em seu início também foi proibido.

Eis que o povo de Búzios ― esse povo que combina a beleza da jovem Bardot, o trabalho dos três pescadores e a grandeza moral do Quixote ― foi proibido de ser o que é por um juiz. O magistrado deu 72 horas para que os turistas deixassem a cidade. Supostamente preocupado com a vida, ele condenou Búzios à morte. Pois “a economia a gente vê depois” é o mesmo que dizer: a comida a gente vê depois, a sobrevivência a gente vê depois, a respiração a gente vê depois. A gente só não vê depois o salário do juiz, que todo mês pinga (ou melhor, jorra) infalivelmente na conta bancária.

Mas estamos falando do povo de Búzios, um povo que não aceita ser condenado sem culpa. Por uma dessas ironias da história, os cidadãos de Armação de Búzios se levantaram exatamente no mesmo momento em que os sinistros do STF decidiam tornar obrigatória a vacinação do Covid.

A revolta de Búzios é um exemplo de coragem e esperança para todo o Brasil. Em algum lugar de nossa imensa terra, levantaram-se homens e mulheres que não aceitam a morte da liberdade. O juiz que assinou a ordem de despejo será esquecido rapidamente. Os cidadãos de Búzios, por outro lado, já entraram para a história. Eles são os filhos daqueles três pescadores eternos; eles sabem quem são. E nós?

 


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