TRAGÉDIA

Rompimento da barragem em Brumadinho completa 4 anos, mas área continua em risco; entenda

Rhuan C. Soletti · 25 de Janeiro de 2024 às 17:40 ·

O desastre desencadeou uma das maiores tragédias ambientais da história do Brasil, com a contaminação de aproximadamente 300 quilômetros do rio Paraopeba, afetando 26 cidades em toda a região

Neste 25 de janeiro de 2024, completam-se quatro anos do rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais. A tragédia, que causou a morte de 272 pessoas e deixou milhares de desabrigados, é considerada um dos maiores desastres ambientais da história do Brasil. Na cidade, que completa 120 anos neste ano, as homenagens às vítimas se multiplicaram. Contudo, quatro barragens da Vale em Brumadinho seguem em áreas de alto risco, segundo pesquisa da Unesp e de instituições de Minas Gerais e Portugal.

A mina desempenhava um papel importantíssimo na geração dos lucros bilionários da empresa por meio da extração de minério de ferro. No entanto, o desastre resultou até mesmo na morte de duas mulheres grávidas. Apesar do tempo que passou, a memória das vítimas ainda está viva na mente dos moradores de Brumadinho e de todo o país, devido à tragicidade do evento. O rompimento da barragem liberou uma onda de lama tóxica que atingiu a comunidade em Brumadinho e a cidade de Bento Rodrigues, localizada a cerca de 3 quilômetros da barragem. A lama também atingiu o rio Paraopeba, que é um importante manancial de água da região. 

A tragédia também causou impacto na legislação ambiental brasileira. Em 2019, foi sancionada a Lei Brumadinho, que estabelece novas regras para o setor minerário. A lei prevê, entre outras medidas, a redução do número de barragens de rejeitos de mineração e o aumento da fiscalização das atividades das empresas mineradoras.

Antes e depois / reprodução: Wikipedia

Quatro anos depois, ainda há muito a ser feito para reparar os danos causados pelo rompimento da barragem. O rio Paraopeba, que foi contaminado pela lama tóxica, não está recuperado. Não só o rio, mas também a comunidade de Córrego do Feijão, que foi destruída pelo desastre, ainda está sendo reconstruída. Em um ato simbólico, as luzes da cidade foram apagadas por um minuto às 12h28, horário do rompimento da barragem.

A comunidade, existente há cerca de 300 anos e composta por aproximadamente 1.500 moradores, denuncia desde 2019 a má qualidade da água e a falta de abastecimento. "Vivemos com a água mineral que a Vale fornece, do caminhão pipa da Copasa. Não temos mais água para a agricultura, para fazer aquilo que fazíamos antes. Hoje, temos sede. Sede de água, de Justiça", desabafa a agricultora Maria Aparecida Soares.

As denúncias da agricultora e também do cacique Sucupira, da comunidade indígena Naô Xohã, à margem do rio Paraopeba, ecoam a mesma triste realidade. Para Sucupira, o crime contra o meio ambiente privou sua comunidade de seu projeto de vida, impedindo a caça, pesca e cultivo. Ele enfatiza que a tragédia é um "crime sem fiança", pois o dinheiro não pode recuperar o rio, peixes ou árvores. O cacique clama por justiça não apenas para aqueles que perderam entes queridos, mas para todos afetados.

Desde a tragédia de Brumadinho, a Vale encerrou as operações de suas barragens a montante, e em 2020 uma lei proibiu esse tipo de estrutura no país.


Os réus e processos

A Barragem I - destruída. B Barragem VI - instável. C Vila Ferteco - área administrativa da mina. D – Ponte destruída. E – O rio Paraopeba, atingido pelos rejeitos e destruído. / Reprodução: Wikipedia

Os desdobramentos jurídicos do caso são de uma cabeleira considerável: o risco de rompimento da barragem em Brumadinho era conhecido internamente, segundo investigação conduzida inicialmente pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e posteriormente encampada pelo Ministério Público Federal (MPF). Isso porque os auditores haviam alertado sobre o perigo um ano antes da tragédia

Existem algumas evidências de que algumas pessoas tinham pleno conhecimento do risco da barragem e decidiram conscientemente ocultar essa informação dos órgãos públicos, assumindo o risco de causar danos aos trabalhadores da mina, moradores locais e até mesmo aos turistas na região, afirma Danilo Chammas, advogado da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos (Avabrum). A apuração do MPF também revelou que de 1975 a 2005 não houve ação de controle para o descarte dos rejeitos de mineração.

Mais detalhes levantam suspeita: em setembro de 2018, quatro meses antes do colapso, a Vale emitiu a última Declaração de Condição de Estabilidade (DCE), atestando a segurança da estrutura. Entretanto, as informações estavam "incompletas" e "distorcidas" segundo as investigações. A tese dos investigadores sugere que a Vale pressionou a emissão do laudo e decidiu assumir riscos, ocultando informações cruciais.

O laudo de qualidade da barragem foi emitido pela alemã Tüv Süd que, juntamente com cinco de seus então funcionários, agora enfrenta acusações na Justiça. O MPMG denunciou 16 funcionários da Vale e da Tüv Süd, em janeiro de 2020, por 270 homicídios duplamente qualificados, além de crimes ambientais relacionados à tragédia. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) formalizou os acusados como réus um mês depois. Em 2023, a Justiça da Alemanha aceitou a investigação contra a Tüv Süd AG, responsável pelo laudo de segurança da barragem B1.

Contudo, após um ano e oito meses, a tramitação da ação foi atrasada: o Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou a extinção do processo, alegando que o caso deveria ser julgado pela Justiça Federal. A atitude foi justificada pelo Tribunal devido à prestação de informações falsas à Agência Nacional de Mineração (ANM), ao descumprimento da Política Nacional de Barragens e aos possíveis danos a sítios arqueológicos.

O MPF, no entanto, apresentou uma denúncia semelhante à do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra as mesmas 16 pessoas citadas originalmente. O Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) aceitou a denúncia, tornando o ex-presidente da Vale, Fábio Schvartsman, e mais 15 pessoas réus novamente. Em 2023, a ex-ministra Rosa Weber ordenou à Justiça Federal de Minas Gerais que continuasse o processo original para evitar a prescrição de crimes

Chammas, então, expressou sua lamentação pela morosidade do sistema judiciário brasileiro, já que a situação só piorou: o processo foi dividido para tratar de perdas humanas e perdas ambientais. Segundo o advogado, a escolha inicial de um juiz estadual pelo MPF só foi considerada inadequada após três anos de tramitação na justiça. Infelizmente, os réus foram beneficiados pela demora – alega Chammas –, enquanto aqueles interessados na realização da justiça foram prejudicados.

Em 2023, o TRF da 6ª Região adiou para 2024 a conclusão do julgamento de um habeas corpus que buscava suspender os processos criminais relacionados ao rompimento da barragem, e os réus agora têm um prazo de 100 dias cada para apresentarem defesas por escrito. Entretanto, quatro deles, incluindo Schwartzman, ainda não foram nomeados

Foram milhares de ações judiciais desencadeadas e, em 2021, houve também um acordo de reparação na esfera cível, totalizando R$ 37,68 bilhões em pagamentos pelos diversos danos causados à região. Para o ex-funcionário da Vale, Ricardo Aparecido da Silva, a demora nas condenações reforça a “sensação de que a vida dos funcionários não tinha valor para a empresa”. Ricardo foi arrastado pelos rejeitos de lama por 200 metros dentro de um caminhão.


O risco continua

Reprodução: Wikipedia

Por meio de uma nova abordagem para medir os riscos de rompimento de barragens, pesquisadores identificaram que quatro barragens da Vale em Brumadinho, como dito anteriormente, estão situadas em áreas de alto risco. A investigação foi conduzida no âmbito do acordo entre a Vale e o Ministério Público de Minas Gerais após a tragédia.

A geomorfologia estuda os elementos da superfície terrestre e os fatores que moldam o relevo, sendo ela aplicada para avaliar os riscos das barragens. O estudo visava criar níveis de vulnerabilidade geomorfológica para a bacia do Ferro-Carvão, onde ocorreu o rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do Feijão. 

Declividade do terreno e quantidade de cursos d'água contribuem para o risco geomorfológico, aumentam o risco, sendo uma bacia mais declivosa e com mais cursos d'água mais propensa a transportar água durante precipitações, segundo um dos autores do estudo e professor na Unesp,  Fernando Pacheco. O estudo destaca que aspectos como a topografia e os padrões de drenagem das bacias hidrográficas envolventes às barragens são frequentemente negligenciados nas análises de risco.

A bacia do Ferro-Carvão foi dividida em 36 unidades de resposta hidrológica para avaliar os parâmetros do comportamento da água em cada setor. Os pesquisadores analisaram indicadores de vulnerabilidade, classificando as unidades de 1 a 5 de acordo com a gravidade. As áreas com somas de indicadores entre 15 e 20 foram consideradas de risco alto, enquanto aquelas com valores superiores a 20 foram classificadas como de risco muito alto

Mesmo que o trabalho tenha se concentrado na avaliação das barragens situadas na bacia do ribeirão Ferro-Carvão, os pesquisadores alertam que na bacia do rio Paraopeba existem mais de 50 barragens que também podem estar sujeitas aos mesmos riscos geomorfológicos. A unidade onde estava a barragem B1 foi classificada como de risco alto, e outras 12 unidades, incluindo três com barragens da Vale (BVII, BVI, Menezes 1 e Menezes 2), foram consideradas de alto risco.

Ponte ferroviária desabada com o rompimento da barragem / Reprodução: Wikipedia

O estudo argumenta que é igualmente importante examinar a bacia hidrográfica circundante, enquanto os estudos geotécnicos avaliam a resistência da rocha no local. Isso porque, mesmo com as áreas planas ou com menos cursos d'água sendo mais seguras para barragens, em eventos extremos de precipitação, a água pode contornar a barragem, colocando-a em risco – diz Pacheco.

Apesar de terem colapsado em 2019, o estudo ressalta que as barragens BIV e BIVA estão localizadas em áreas de baixo risco. Isso porque os pesquisadores argumentam que o rompimento dessas barragens foi uma consequência do colapso da B1 e não necessariamente resultado de problemas específicos em suas áreas.

Contudo, a Vale algumas estruturas não foram construídas pelo método a montante, como era o caso das barragens de Mariana e Brumadinho. Logo, segundo eles, as barragens BVII, BVI, Menezes 1 e Menezes 2 não estão em nível de emergência, estão estáveis e possuem declaração de condição de estabilidade emitida por empresa externa. 

A construção dessas estruturas sobre áreas de nascente, onde o risco decorre do fato de essas regiões naturalmente apresentarem fendas geológicas que colaboram para o acúmulo de água, segundo Maria Teresa Cristina Pissarra, uma das autoras do estudo. Os pesquisadores recomendam a instalação desses empreendimentos a jusante e em áreas de baixo declive.

A escolha do local para a construção de barragens envolve diversos fatores, como o ponto de vista da proximidade de onde o minério está sendo extraído, disse o doutor em ecologia Thiago Metzker. Além disso, considerando que distâncias maiores implicam em custos mais elevados de transporte, a definição geralmente é feita também considerando o custo-benefício para as mineradoras.

Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM) – responsável pela classificação dos riscos das barragens –, atualmente, há 64 barragens listadas como de risco alto no país


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