JAIR BOLSONARO

Raul Araújo na relatoria no TSE; o que pode mudar para Bolsonaro?

Rhuan C. Soletti · 13 de Novembro de 2023 às 17:13 ·

Nos julgamentos realizados ao longo deste ano, que resultaram na condenação do ex-presidente à inelegibilidade, Araújo manifestou seu voto contrário. Contudo, Araújo enfrentará limitações significativas para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro

O ministro Raul Araújo, membro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), assumiu a posição de corregedor-geral, tornando-se responsável pela relatoria de algumas ações de investigação pendentes na Corte, na sexta-feira (10), todas direcionadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Além disso, ele também assumiu a análise de outras ações contra o atual presidente empossado, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que, em última instância, têm o potencial de cassar seu mandato e torná-lo inelegível.

Nos julgamentos realizados ao longo deste ano, que resultaram na condenação do ex-presidente à inelegibilidade, Araújo manifestou seu voto contrário, embora tenha ficado em minoria, ao lado do ministro Kassio Nunes Marques. Desde sua chegada ao tribunal em 2020, ele tem se destacado por não fazer parte do tipo ideológico liderado pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes. Este grupo, quase sempre, votou de forma unificada para aplicar multas, vetar propagandas ou sancionar Bolsonaro por suas ações de campanha. 

O antigo corregedor, Benedito Gonçalves, que mantém proximidade com Moraes e Lula, é percebido dentro do TSE como alguém que complicou significativamente a situação do ex-presidente. Essa percepção se deve ao andamento acelerado e incomum que Gonçalves deu às ações de inelegibilidade, aproveitando-se de uma composição hostil a Bolsonaro, liderada por Moraes.

No papel de relator das ações ainda pendentes de julgamento, cabe a Araújo ditar o ritmo do andamento desses processos. Ele exercerá o papel de proferir o primeiro voto, à frente dos outros seis ministros. O tempo de tramitação desses processos é de suma importância para Bolsonaro. Lá, será responsável por conduzir a produção de provas, definir quais fatos serão considerados relevantes, agendar depoimentos e encaminhar os casos para análise no plenário. 

Caso os processos tivessem se estendido por um período mais longo – algo que é comum em ações desse tipo, geralmente levando dois ou três anos para serem concluídas – isso teria proporcionado mais oportunidades para a defesa contestar as acusações e refutar possíveis atos questionáveis do relator. Exemplos disso incluem a inclusão de eventos alheios à acusação inicial, como os incidentes de 8 de janeiro e a denominada "minuta do golpe".

Vai ser difícil

Como mudar algo diante da “patota” lá dentro? No papel de corregedor, Araújo enfrentará limitações significativas para reverter a inelegibilidade de Bolsonaro, uma vez que sua permanência na Corte eleitoral se estende apenas até setembro de 2024. A ação referente à reunião com embaixadores, por exemplo, já foi concluída no TSE, e Bolsonaro já apresentou um recurso para que o caso seja levado ao Supremo Tribunal Federal (STF). No entanto, a curto prazo, parece improvável que o STF reverta a decisão do TSE.

Bolsonaro e seus assessores mantêm a esperança de que, em médio ou longo prazo, essa situação possa ser alterada. Isso dependeria, segundo eles, da designação de um relator mais inclinado a aceitar seus argumentos no STF, mencionando figuras como Kassio Nunes Marques ou André Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro. 

Na mais recente condenação, relacionada aos comícios de 7 de Setembro, Bolsonaro ainda tem a opção de apresentar um recurso ao próprio TSE na tentativa de reverter a inelegibilidade. A decisão sobre a data de julgamento no plenário ficará a cargo de Raul Araújo. No círculo próximo de Bolsonaro, a aposta é de que um adiamento significativo desse julgamento seria vantajoso. 

Existe também a crença que se baseia na possibilidade de uma mudança drástica no cenário político, com a deterioração da posição da esquerda no poder. Nesse contexto, a aposta é que Bolsonaro poderia ser reabilitado de maneira semelhante a Lula, cuja situação era inicialmente mais desfavorável. No entanto, as perspectivas de uma reversão no resultado são limitadas. Para eles, prolongar o tempo até o julgamento seria benéfico para dissipar a percepção de perseguição a Bolsonaro no âmbito do Judiciário – o que é quase impossível.

Segundo aliados do ex-presidente, a estratégia ideal seria que o novo corregedor adiasse essa análise para junho de 2024, após a saída de Moraes do TSE. Nesse ponto, seus dois indicados, Kassio Nunes Marques e André Mendonça, estarão liderando a Corte como presidente e vice, respectivamente. Araújo ainda ocupará a posição de corregedor. Se os três votassem a favor de Bolsonaro, seria necessário apenas mais um voto para anular a condenação.

Neste momento, a composição do TSE será complementada pela ministra Cármen Lúcia, do STF; pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Maria Isabel Gallotti; e pelos advogados André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques. Entre os advogados de Bolsonaro, Cármen Lúcia e Floriano são considerados votos praticamente perdidos, devido à proximidade deles com Moraes. 

A esperança reside, então, na possibilidade de Maria Isabel Gallotti ou André Ramos Tavares se posicionarem de forma favorável, mas suas inclinações de voto permanecem uma incógnita. Mesmo assim, as perspectivas de uma reviravolta são consideradas pouco prováveis.


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Processos

  • Discurso na ONU

A ação, protocolada por Soraya Thronicke, pelo PDT e pela Coligação Brasil da Esperança (CBE), têm como objetivo investigar uma alegada prática de abuso de poder político e econômico, bem como o uso indevido dos meios de comunicação no discurso proferido por Bolsonaro durante a 77ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em 14 de setembro de 2022.

Na referida ocasião, Bolsonaro, na qualidade de chefe de Estado, utilizou o espaço para realizar uma espécie de "balanço" de seu governo, conforme apontado pelos requerentes. Além disso, o presidente comparou sua gestão com os governos anteriores, em especial o de Lula, seu principal adversário nas eleições. 

Bolsonaro destacou os marcos econômicos de seu governo, o enfrentamento da pandemia de covid-19, defendeu a liberdade e também voltou a destacar o seu posicionamento em favor das famílias e contrário ao aborto. Outro marco do discurso do presidente foi a defesa da fé cristã e a abertura do país para receber os religiosos perseguidos pela ditadura da Nicarágua.

O ministro Benedito Gonçalves, poucos dias depois, concedeu liminar que proibia o Bolsonaro de usar em sua campanha à reeleição imagens do discurso que fez nesta semana à Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).

Veja: Leia a íntegra do discurso do presidente Jair Bolsonaro na ONU

  • Disparo de SMS

A CBE apresentou uma acusação na Corte Eleitoral, alegando suposto abuso de poder econômico por parte do ex-presidente, relacionado a disparos automáticos de SMS com um "evidente cunho eleitoral" ocorridos nos dias 23 e 24 de setembro de 2022. As mensagens de texto em questão promoviam a candidatura do ex-presidente.

Os envios de mensagens utilizaram um número vinculado ao sistema Paraná de Inteligência Artificial e ao Detran (Departamento de Trânsito). A mensagem enviada aos usuários declarava: "Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senão, vamos à rua para protestar! Vamos invadir o congresso e o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nós!!

  • Campanha da Casa da Pátria

O PDT também protocolou uma ação acusando Bolsonaro de abuso de poder econômico, relacionado à campanha conduzida por uma rede de apoiadores denominada "Casa da Pátria". Esta rede, composta por pastores, empresários e entidades religiosas, é acusada de promover uma "ação coordenada de campanha eleitoral paralela à campanha oficial".

A argumentação do PDT destaca que os valores recebidos e gastos por essa rede não foram devidamente submetidos ao controle da Justiça Eleitoral por meio do processo de prestação de contas. Eles alegam que querem esclarecer a legalidade e a transparência dos recursos envolvidos, alegando que a atuação da "Casa da Pátria" representa uma violação do poder econômico nas atividades eleitorais.

  • Caso da Jovem Pan

Mais uma vez, a CBE protocolou uma ação por uso indevido dos meios de comunicação, contestando o alegado "tratamento privilegiado" dado pela Jovem Pan à candidatura de Bolsonaro. A ação também aponta o uso da programação da rede para “disseminação de notícias falsas” direcionadas contra o sistema eleitoral, ministros do STF e do TSE, bem como candidatos adversários. 

  • “Fake News”

A chapa de Lula protocolou também uma ação por uso indevido dos meios de comunicação, abuso de poder político e econômico. A alegação central é a utilização de dezenas de perfis em redes sociais para a suposta produção e disseminação de conteúdos falsos, visando direcionar a opinião pública e influenciar no resultado da disputa eleitoral.

Os requerentes apresentaram suas alegadas “provas documentais”, incluindo links, capturas de tela, estatísticas de busca do Google na tentativa de indicar uma relação de causalidade entre picos de pesquisa e o disparo massivo de conteúdos falsos e extremamente apelativos. 

  • Beneficiar a população

Essa é mais estranha: a ação protocolada pela chapa acusa Bolsonaro de abuso de poder econômico e político, alegando que ele concedeu diversos benefícios financeiros enquanto ocupava a posição de presidente da República durante o período eleitoral. A coligação argumenta que o então presidente tinha "o claro intuito de angariar votos e, portanto, influenciar na escolha dos eleitores brasileiros, de modo a ferir a lisura do pleito".

Entre as medidas citadas na ação estão a antecipação do pagamento do Auxílio-Brasil, do auxílio gás, bem como do auxílio destinado a caminhoneiros e taxistas. 

  • Urnas

Essa é antiga: a acusação, também pela CBE, de que o ex-presidente fez uso indevido dos meios de comunicação social e abuso de poder político. Segundo o pedido, o ex-presidente teria buscado promover um "projeto de poder totalitário e autocrático a partir da corrosão da matriz existencial da democracia brasileira". De acordo com o requerente, Bolsonaro teria tido uma voz ativa para sustentar a narrativa de suposta fraude no sistema eleitoral brasileiro. 

Os de Lula

  • “Super live”

De maneira semelhante aos casos de Bolsonaro, a Coligação Pelo Bem do Brasil e o ex-presidente, como uma réplica, acusam Lula de abuso de poder econômico e de uso indevido de meios de comunicação devido à transmissão ao vivo realizada pelo então candidato à Presidência durante as eleições de 2022, denominada "super live". 

O evento ocorreu no Auditório Celso Furtado, em São Paulo, contando com ampla divulgação na internet e a presença de candidatos, artistas, intelectuais e lideranças políticas e sociais. A ação classifica o evento como um "showmício" e alega que possibilitou o "emprego desmesurado de recursos financeiros".

  • Mentiras

No âmbito da desinformação, a ação protocolada por Bolsonaro e pela mesma Coligação aponta o deputado federal André Janones (Avante-MG), escolhido por Lula como seu "consultor" durante a campanha ao Palácio do Planalto, de realizar uma "deliberada e constante difusão de conteúdos falsos ou gravemente descontextualizados" contra o ex-presidente Bolsonaro. A ação argumenta que Janones utilizou suas redes sociais como uma "fábrica de fake news", incentivando o compartilhamento em massa de publicações com conteúdo supostamente falso.

Quem é Raul Araújo

Reprodução: TSE

Nascido em Fortaleza, Ceará, o ministro Raul Araújo é graduado em direito, mestre em direito público e especialista em Ordem Jurídica Constitucional pela UFC (Universidade Federal do Ceará). Além disso, possui bacharelado em economia pela Unifor (Universidade de Fortaleza). Antes de assumir sua posição no STJ, ele construiu uma carreira como advogado e ocupou o cargo de procurador-geral do Estado do Ceará.

Sua atuação na Corte Eleitoral gerava certo receio aos apoiadores do governo atual, uma vez que, juntamente com o ministro Nunes Marques, ele se destacou como um dos votos contrários à inelegibilidade de Bolsonaro nos julgamentos. A data de sua posse como ministro foi em 12 de maio de 2010, sendo indicado por Lula durante seu segundo mandato. Raul Araújo integra o TSE desde setembro de 2022.

Enquanto ocupava a posição de corregedor-geral, Benedito tomou medidas para dar prioridade aos processos relacionados ao ex-presidente que já estavam em estágios avançados. A Corte, então, empreendeu um esforço concentrado para acelerar o julgamento das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes) nos últimos dias de seu mandato, considerando que o ministro Araújo seria responsável por dar continuidade a essas ações. 


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