VÍRUS CHINÊS

Pesquisa coreana coloca em xeque as políticas de lockdown

Especial para o BSM · 30 de Julho de 2020 às 16:32 ·

Rastreamento de 60 mil pessoas na Coreia do Sul revela maior transmissão da Covid-19 dentro de casa

VÍRUS CHINÊS

Pesquisa coreana coloca em xeque as políticas de lockdown


Rastreamento de 60 mil pessoas na Coreia do Sul revela maior transmissão da Covid-19 dentro de casa


Peterson Dayan

Dr. Young Joon Park, médico de medicina preventiva, e sua equipe de epidemiologia e gerenciamento de casos do Centro Nacional de Resposta de Emergência COVID-19, da Coreia do Sul, divulgaram uma pesquisa [1], publicada no CDC – Centers for Disease Control and Prevention, órgão do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (U.S. Department of Health and Human Services).

A equipe de epidemiologia do Dr. Park fez o rastreamento de 59.073 pessoas que tiveram contato com 5.706 pacientes com Covid-19, na Coreia do Sul, entre 20 de janeiro e 27 de março de 2020. Em resposta, identificaram que 10.592 dessas pessoas tiveram apenas contatos domiciliares, totalizando 11,8% que manifestaram Covid-19. Ao passo que os outros 48.481, que tiveram contatos não domésticos, apresentaram apenas 1,9% de contaminação por Covid-19.

A Coreia do Sul adotou um rigoroso programa de rastreamento de contatos, incluindo a epidemiologia tradicional, conhecida pelo termo “shoe-leather epidemiology”. Além disso, utilizaram novos métodos para rastrear contatos, vinculando grandes bancos de dados (sistema de posicionamento global, transações com cartão de crédito e televisão em circuito fechado). Eles adotaram esse rastreamento do contato de forma bastante rígida e eficaz. Com isso, conseguiram monitorar e controlar a disseminação da doença por coronavírus (Covid-19) na Coreia do Sul. A medida serviu de subsídio para a orientação das políticas baseadas em evidências e mitigação da pandemia naquele país[2].


O primeiro caso de Covid-19 na Coréia do Sul

O primeiro caso de Covid-19 na Coreia do Sul foi identificado em 20 de janeiro de 2020. Até 13 de maio, foram registrado 10.962 casos. Todos os pacientes com Covid-19 registrados foram testados usando RT-PCR, e as informações de cada caso foram enviadas para os Centros de Controle e Prevenção de Doenças da Coreia. O sistema de saúde pública da Coreia do Sul possui um alto nível de governança nacional, com a presença dos seus Centros de Controle e Prevenção de Doenças nos 17 governos regionais e nos 254 centros de saúde pública locais.

No estudo de rastreamento dos contatos, na Coréia do Sul, foram monitorados 59.073 contatos, de 5.706 pacientes com COVID-19. Observe a tabela 1 com os dados do grupo estudado.



Tabela 1. Contatos rastreados por faixa etária dos pacientes com doença de COVID-19, Coréia do Sul, 20 de janeiro a 27 de março de 2020 (PARK, et al, 2020).


Das 10.592 pessoas que tiveram apenas contatos domiciliares, o maior índice de contaminação foi entre os que se encontravam na faixa de 20 e 29 anos de idade, com um total de 3.417 (32,3%) casos positivos. Em seguida, os mais afetados foram os da faixa de 50 a 59 anos (19,3%) e os de 40 a 49 anos (16,5%). Das pessoas que tiveram apenas contatos com pacientes de Covid-19 dentro de casa, os casos domiciliares, 11,8% foram contaminadas; sendo que, em domicílios com pacientes na faixa de 10 a 19 anos, 18,6% dos contatos apresentaram Covid-19. Para as outras 48.481 pessoas que tiveram contatos com pessoas contaminadas fora de casa, os casos não domésticos, a taxa de detecção foi de apenas 1,9%. Veja a tabela 2, que apresenta esses valores.

Tabela 2. Taxas de doença por coronavírus entre contatos domiciliares e não domésticos, Coréia do Sul, 20 de janeiro a 27 de março de 2020 (PARK, et al, 2020).


A detecção de contatos que se contaminaram em ambientes não domésticos por Covid-19, foi significativamente maior nos pacientes acima de 40 anos de idade. No entanto, para todas as faixas etárias, a Covid-19 foi significativamente mais detectada nos contatos domiciliares do que em contatos não familiares, é o que nos mostra a Tabela 2. Portanto, essa pesquisa demonstra como o lockdown não funciona. Ao manter as pessoas isoladas em casa, elas estarão sujeitas a um maior risco de contaminação.
 

Taxas de contaminação em crianças e adultos

Os pesquisadores concluíram que, ao detectar a Covid-19 em 11,8% dos contatos domiciliares, as taxas foram maiores entre as crianças do que em adultos. A causa disso, segundo esses cientistas, se refletiu pela ampla transmissão ocorrida pela tentativa de mitigação da doença. Portanto, julgam que pode ter sido pela dinâmica da transmissão durante o fechamento das escolas [3].

“A maior contaminação encontrada entre os contatos familiares em relação aos contatos não familiares pode ser um reflexo, em parte, da transmissão durante o distanciamento social, quando os membros da família geralmente ficavam em casa, exceto para realizar tarefas essenciais, criando essa disseminação dentro da família” disseram os cientistas.

Os especialistas acreditam que o esclarecimento da dinâmica da transmissão de SARS-CoV-2 ajudará a determinar as estratégias de controle nos níveis individual e populacional. Além deste, outros estudos também identificaram a presença, cada vez maior, de transmissão dentro das famílias. Estudos anteriores sobre a taxa de infecção por contatos domiciliares sintomáticos nos Estados Unidos relataram 10,5% significativamente maior do que nos contatos não domiciliares [4].
 


Outros estudos sobre a transmissão da COVID-19

Relatórios recentes sobre a transmissão da COVID-19 estimaram taxas de contaminações secundárias mais altas entre os domicílios do que os contatos não domésticos. Dentre eles, estão os relatórios compilados da China, França e Hong Kong que estimaram as taxas de contaminações secundárias para contatos familiares em 35% [5].

A diferença nas taxas de contaminação dos contatos das famílias em diferentes partes do mundo pode refletir a variação das famílias e as estratégias específicas de cada país quanto à contenção e mitigação da COVID-19. Dada a alta taxa de infecção nas famílias, os pesquisadores recomendam que medidas de proteção individual devem ser usadas em casa para reduzir o risco de transmissão [6].
 

Implementações que necessitam maior investigação

Para gerenciar a transmissão doméstica, o grupo de pesquisadores sugerem um possível isolamento de coorte fora dos hospitais, como em um Centro de Tratamento Comunitário, como sendo uma opção viável [7]. Caberá uma avaliação da viabilidade de implementação de tal medida. A investigação da equipe da Coréia do Sul mostrou também que o padrão de transmissão da COVID-19 foi semelhante ao de outros vírus respiratórios, considerando os dados de larga escala apresentados [8].

Embora a taxa de detecção de contatos de crianças em idade pré-escolar tenha sido menor, as crianças pequenas podem apresentar taxas de contaminação mais altas quando o fechamento da escola terminar, contribuindo para a transmissão da Covid-19 entre a comunidade.

A equipe do CDC coreano, ressalta a necessidade de um estudo epidemiológico sensível ao tempo, diante da transmissão domiciliar de SARS-CoV-2 em meio à reabertura de escolas e à diminuição do distanciamento social, para orientar as políticas de saúde pública. Vale lembrar que é fundamental a compreensão do papel das medidas de higiene e controle de infecção para reduzir a disseminação dentro das famílias. Já o papel da máscara dentro de casa, especialmente se algum membro da família estiver em alto risco, precisa ser estudado, ressaltam os pesquisadores.

De qualquer forma, a implementação de recomendações de saúde pública, incluindo higiene respiratória e das mãos, deve ser incentivada para reduzir a transmissão do SARS-CoV-2 nos domicílios afetados.


Sobre os responsáveis pela pesquisa

O Dr. Young Joon Park é o médico de medicina preventiva que lidera a Equipe de Epidemiologia e Gerenciamento de Casos do Centro Nacional de Resposta de Emergência Covid-19, Centros da Coréia para Controle e Prevenção de Doenças. Seus principais interesses de pesquisa incluem investigação epidemiológica de surtos de doenças infecciosas. O Dr. Choe é professor assistente da Faculdade de Medicina da Universidade Hallym. Sua pesquisa se concentra na epidemiologia de doenças infecciosas.

— Prof. Peterson Dayan é Engenheiro Civil (UnB), Mestre em Arquitetura e Urbanismo (UnB), na área de Projeto de Planejamento, Doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela UnB – Universidade de Brasília, e Especialista com MBA em Gerenciamento de Projetos pela FGV. Desenvolve sua pesquisa em Planejamento Urbano, examinando os efeitos da Configuração Espacial das Cidades na vida das pessoas. Atualmente é o Diretor de Finanças e Patrimônio do DPL – Docentes Pela Liberdade.


 

Referências

  1.  Park YJ, Choe YJ, Park O, Park SY, Kim YM, Kim J, et al. “Contact tracing during coronavirus disease outbreak, South Korea, 2020”. Emerg Infect Dis. 2020 Oct. DOI
  2.  World Health Organization. “Contact tracing in the context of COVID-19”. 2020. WHO
  3.  COVID-19 National Emergency Response Center. Epidemiology & Case Management Team, Korea Centers for Disease Control & Prevention. Contact transmission of COVID-19 in South Korea: novel investigation techniques for tracing contacts. Osong Public Health Res Perspect. 2020;11:60–3. DOI
  4.  Choe  YJ, Choi  EH. Are we ready for coronavirus disease 2019 arriving at schools? J Korean Med Sci. 2020;35:e127. DOI PubMed
  5.  Burke  RM, Midgley  CM, Dratch  A, Fenstersheib  M, Haupt  T, Holshue  M, et al. Active monitoring of persons exposed to patients with confirmed COVID-19 - United States, January–February 2020. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2020;69:245–6. DOI PubMed
  6.  Liu  Y, Eggo  RM, Kucharski  AJ. Secondary attack rate and superspreading events for SARS-CoV-2. Lancet. 2020;395:e47. DOI PubMed
  7.  Jefferson  T, Del Mar  C, Dooley  L, Ferroni  E, Al-Ansary  LA, Bawazeer  GA, et al. Physical interventions to interrupt or reduce the spread of respiratory viruses: systematic review. BMJ. 2009;339(sep21 1):b3675.
  8.  Choe  YJ, Smit  MA, Mermel  LA. Comparison of common respiratory virus peak incidence among varying age groups in Rhode Island, 2012–2016. JAMA Netw Open. 2020;3:e207041. DOI PubMed

 

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