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Os Maias, uma farsa brasileira

Fábio Gonçalves · 12 de Março de 2020 às 17:21 ·

Vô getulista, pai socialista, neto golpista: como a história familiar explica a ascensão (e a possível queda) de Rodrigo Maia, presidente da Câmara e imagem robusta de tudo aquilo que o povo brasileiro rejeita na política

O Avô Hefesto

Falemos a verdade. Se houve realmente uma época de radicalismo ideológico no Brasil, e da mais deslavada ideologia fascista, isto se deu nos tempos do Vargas. Já são favas contadas essa história de Pai dos Pobres, de grande líder desenvolvimentista. Até pega mal. Vargas era um rematado ditador, um tirano absoluto, nos moldes da época. Vale dizer que uma porção de abacaxis estatistas que ainda calejamos as mãos para descascar foram plantados e cultivados durante o seu reinado. Veja-se, como exemplo, a treta que é para mexer nesse negócio de Leis Trabalhistas, engenhoca criada quase na base do copy and paste da Carta di Lavoro, do Mussolini.

Mas não falaremos de Vargas, nem de Mussolini, nem de décimo-terceiro. Falaremos de um dos mais poderosos clãs da nossa política cujo patriarca remonta da era getulista.

Felinto Epitácio Maia é o Abraão dos Maias – não o do antiquíssimo povo pré-colombiano, mas o da família de cariocas e nordestinos acostumados, há décadas, ao mando público. 

Este Felinto comandou por quinze anos a Casa da Moeda do Brasil e era, por esses tempos, colega de Luís Simões Lopes, homem que presidiu, de cabo a rabo, o DASP.

Me desmentindo, volto ao Getúlio. O DASP era uma espécie de centro de formação para políticos sérios. Não que os outros não fossem, mas os do DASP, segundo a ementa, seriam racionais, técnicos, homens cuja mente e o espírito estariam acima dos arranca-rabos político-partidários. Do DASP, assim prometia o Vargas, só sairia administrador público capaz, gente que superaria aquele cordialismo patrimonialista que, como denunciava o Sérgio Buarque, é condição essencial do homem brasileiro – tanto mais dos mandachuvas. 

Esta é a mentalidade do centralismo fascista à nossa moda, estigma que formou JK, os milicos – os de 64 e os de hoje –, os comunistas, a galera do Centrão.

Pois é deste Olimpo varguista que saiu o Hefesto Maia, divindade cunhadora de dinheiro que botou na Caixa de Pandora da política nacional alguns dos maiores flagelos da “Velha Política”.   

Pois, é filho deste Felinto o César, o Maia que governou por três vezes a Cidade Maravilhosa.

 

O Pai César  

César Maia nasceu coevo ao fim do Estado Novo, em 45. Ficando jovem, foi estudar engenharia em Ouro Preto. De lá, saiu militante radical. 

Novamente me desdigo e volto ao Mussolini. Benito, o operístico ditador que, romântico, querendo reconstruir o Império Romano, malemá conseguiu reaver as terras de Aníbal e acabou dependurado de ponta cabeça, morto da silva, em praça pública, este Benito, em juventude, era socialista de carteirinha. 

Voltei a isso porque é esta a dupla fita de DNA deste clã político nacional: de um lado o fascismo registrado em cartório, assumido, de cara limpa; doutro o fascismo pintado de vermelho, disfarçado de democracia, alegando-se tribuno da plebe. Pai varguista; filho comunista. Duas faces da mesma moeda – cunhada na beira da praia do Flamengo.

César Maia foi estudar em Minas e entrou para uma versão mais casca grossa do PCB, o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Nesses tempos, como fizesse oposição ao regime militar, panfletou pelas ruas de Belo Horizonte um congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes), grupo de esquerda que era ilegal naquela época. Neste permeio, porém, César foi além da gritaria e da panfletagem universitária. Ele também treinou tiro e ameaçou entrar para a guerrilha urbana. 

Com efeito, em 68, numa reunião da UNE, em Itabuna (SP), Maia foi preso pela primeira vez. Daí, depois de uma série de outras detenções, cavou um documento falso, dizendo-se louco, e conseguiu se exilar, primeiro na Argentina e em seguida no Chile, país então comandado pelo comunista Salvador Allende – que, segundo o dissidente soviético Vasili Mitrokhin, foi eleito com grana de Moscou, discretamente distribuída pela KGB.

Para além dos Andes, César Maia foi estudar Economia, na Universidade Nacional, e lá teve aulas com o intelectual marxista José Serra – sim, o mesmo esquálido tucano que a esquerda costuma chamar de direitista total. Com o Serra, César aprendeu a fazer lá suas contas e foi, de cálculo em cálculo, largando mão do comunismo adolescente – foi virando o tal do social-democrata, que é o fascista adulto, engravatado, no melhor estilo DASP. 

Além de tomar aulas de matemática com o antipático militante, foi também para o lados de Santiago que César casou-se com a nativa Mariangeles e teve com ela gêmeos, um casalzinho, Daniela e Rodrigo – este mesmo que vocês estão pensando.

Ainda em terras chilenas, César assistiu de perto a queda de Allende. Ele estava em Santiago no fatídico 11 de setembro de 1973. Neste dia, os Andes foram abalados pelo bombardeio da Força Aérea ao Palácio de la Moneda. Dali, Allende saiu morto, suicidado. Assumiu o poder o comandante-em-chefe do Exército chileno: Augusto Pinochet.

Depois de o caldo entornar no Chile, César ainda esteve no Portugal, às portas da Revolta dos Cravos, movimento que pôs fim ao salazarismo, antes de retornar ao Brasil. A volta se deu em fins desse mesmo 73. Ao aterrissar, foi pego no Galeão, ficou em cana por três meses. Depois de então foi liberado.

Sendo um esquerdista convicto, mas cabalmente desempregado, César foi pedir trabalho para uns capitalistas, capitalistas judeus, o pessoal da Klabin Irmãos, uma das firmas mais tradicionais do Brasil.

(Mera nota de rodapé no longo livro da dialética dos marxistas – que não chamamos aqui de hipocrisia ou mesmo cachorrice, por educados que somos.)

Da Klabin, o socialista bom de conta – dos poucos que já se viram no mundo – foi convidado a comandar a Secretaria da Fazenda do Rio, à época sob o jugo de Leonel Brizola, outro esquerdista ferrenho que também esteve exilado e voltou à política patrícia para iniciar a longa marcha para o abismo da nossa antiga capital.

César Maia, portanto, já foi pedetista (do PDT), partido que hoje é tocado pela dinastia psicotrópica dos Ferreira Gomes. 

Pela sigla trabalhista, chegou a deputado federal em 87 (até 93), onde participou da constituinte que assinalou a transição do governo verde-oliva para a sucessão de governos vermelhos. Assim o Brasil foi pulando de fascismo em fascismo. 

Depois, nas eleições de 89, em que – Kyrie eleison – Collor, Lula e Brizola se acotovelavam para chegar ao Planalto, César foi o principal assessor econômico do candidato pedetista. Tivesse vencido o Leonel, teríamos um Maia chefiando a Fazenda Nacional.  

Mas não foi na legenda do Brizola que ele engatou na carreira política. Tendo brigado com o chefe em 91, passou ao PMDB e, no ano seguinte, venceu Benedita da Silva (PT) nas eleições municipais: tornou-se prefeito do Rio (93-97). 

No pleito seguinte, como não fosse possível concorrer à reeleição, emplacou seu sucessor, Luiz Paulo Conde (98-2001), e, em 2002, trocando farpas com o antigo aliado – que achara muito gosto em ter consigo as chaves da cidade – venceu novamente e permaneceu no Palácio até 2009.

Outra curiosidade – não chamo de contradição, tampouco de canalhice pura e simples, porque sou jornalista recatado: antes de terminar seu primeiro mandato como prefeito fluminense, em 96, César saiu do PMDB e foi para o PFL.

Ora, nos tempos dos milicos, estes eram os dois partidos legais. O MDB aglomerava os oposicionistas e o ARENA (mais tarde PFL) era o grêmio governista. Como o sujeito passa de um a outro como quem troca de meias é um mistério impenetrável da alma dos políticos nacionais.

Hoje, César, dizendo-se velho, já com a coluna empenada, segue contente com a vereança carioca.

Agora ele é todo para o filho, o Rodrigo.

O maior dos Maias

Espremido no meio de uma horda de repórteres sedentos e ansiosos, ameaçado pelos mais variegados modelos de microfones, sob a mira dos mais indiscretos flashes dos fotógrafos, está um homem balofo, a testa umedecida do calor, meia dúzia de gotas escorrendo pelas têmporas, invadindo a papada colossal apertada no colarinho que de quando em quando é afrouxado pelas mãos nervosas do homem. Seu semblante é de quem espera alguma pergunta maliciosa, algo que lhe dê um acesso de gagueira, coisa inadmissível para políticos graúdos – tanto mais aos que já tiveram seus nomes citados em delações premiadas. Uma escorregada, neste caso, pode culminar numa mancha que custaria muitas matérias em jornais camaradas – e político não gosta de dever favor. 

Portanto, num sufoco desses, vale lembrar tim-tim por tim-tim as dicas do media trainning, do coach, da professora de ioga. Daí que a voz, a despeito da cara, saia firme, segura, só dizendo respostas prudentes, no mais perfeito dos tons políticos, aquele que diz sem dizer coisa alguma, pois, eis aqui uma lição de ouro: dizer qualquer coisa de substancial em política é arranjar inimigos, e, como bem se sabe, toda a arte do bom político, quer dizer, daquele que quer fazer mesmo sucesso na política, mais especificamente na política brasileira, e se manter, até a velhice senil, nos mais altos postos do poder, seja em Brasília, ou na Câmara de uma comarca dos confins do Acre, toda a arte para se chegar a esta glória consiste em, custe o que custar, jamais arrumar um inimigo. Nenhum. Vejam o Esperidião Amin, o Gonzaga Patriota, o Claudio Cajado, parlamentares de décadas. 

O homem afofado pela mídia nacional, nos idos de 2019, é o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia.

Maia nasceu no Chile de Allende, em 1970, mas cresceu no Brasil, no Rio, vendo o pai prosperar na política. E tomou gosto pela coisa. 

Como seja, na juventude Maia ingressou no curso de economia da Faculdade Cândido Mendes, mas, diferindo nisto do pai, não aguentou o abuso teórico matemático e saltou direto para a vida profissional: entre 90 e 97 trabalhou em bancos, no BMG e no Itaú. 

Aí, de um nada, saltou ao poder público.

Em 97, somando 27 anos, o jovem e macérrimo Maia virou Secretário de Governo da Prefeitura do Rio, à época sob os desígnios do afilhado político do seu pai, o Luiz Conde. 

(Não que o pai tenha interferido, nem mesmo com um telefonema, digo mais, nem mesmo com uma piscadela, para colocar o filhão num tão honroso cargo. Maia chegou onde chegou por méritos indiscutíveis).

Mas a Secretaria do município litorâneo era pouco para esse neto de um deus olímpico varguista e filho de um Odisseu socialista.

Desta sorte, no ano seguinte, 98, Maia concorreu, de primeiro, a uma cadeira no parlamento de Brasília – e venceu. O filho do César Maia, menino de tudo, alcançou quase 100 mil votos; voou para o Planalto Central, cheio das pompas e circunstâncias, e de lá nunca mais saiu.

Bem articulado – no sentido politiqueiro do termo – Maia foi fazendo fama na Casa Baixa. De cara, foi escalado para importantes comissões, como a do Banestado, e ali, entre tapinhas nas costas e apertos de mão, sempre olhando no olho, consolidou sua posição, riscou seu território.   

Já em 2002, Rodrigo Maia aparecia na lista dos 100 políticos mais importantes do Congresso, comenda importe, moeda de troca valiosa na hora de barganhar com os pares, de firmar alianças. Na surdina, sem muita mídia e alarde, o rapaz foi crescendo – tanto em poder quanto em cintura.

Maia virou deputado pelo PFL e foi um dos principais orquestradores da transformação desta legenda no DEM, em 2007. Com a mudança, Maia, enfim, assumiu a presidência nacional da agremiação. Virou o homem forte do partido. 

Tentando retomar o cajado que já fora do pai, em 2012 Maia concorreu à Prefeitura do Rio mas recebeu só 3% dos votos válidos. Viu-se que nem sempre a estima entre os amigos políticos se reflete em amor popular. Na verdade, arrisco que, via de regra, dá-se o diametralmente oposto: quanto mais bem-querido pelos políticos, mais ojeriza o fulano desperta ao povo. Maia, desta forma, aquietou-se no parlamento.

Daí veio a Lava Jato. 

Tudo quanto é político graúdo estava metido na trama. Era um tal de engravatado preso pra cá, poderoso delatando pra lá. Um deus-nos-acuda.

Nesse balaio, subiu o coro pelo impeachment de Dilma. As ruas lotaram; os políticos, todos na corda bamba, se tremeram do cabelo aos sapatos, ameaçando cair nas redes de Moro, Deltan e companhia. O presidente da Câmara à época, o Cunha, estava também andando na prancha.

Num pandemônio desses, precisava alguém assumir a Casa, alguém querido por todos, um articulador consumado, uma unanimidade entre os camaradas. Carecia salvar a imagem da classe. Socorrer a honra de uns Calheiros, uns Aécios. Para este fim, botaram na Mesa o Maia. E eis a apoteose do clã. 

Rodrigo Maia chegou à presidência da Câmara em 2016, quando o Cunha foi para o xadrez – e que Deus tenha misericórdia desta nação. Como durante essa década e meia no Congresso este Maia houvesse crescido – em influência e silhueta – parecia ter as costas largas o suficiente para blindar seus colegas de plenário e comissões, sem que ele mesmo se tornasse alvo dalguma batida da PF. 

Pois este Maia, nessa época já roliço e sempre assaltado pelos suores caudalosos e pelos engulhos de preocupação, conseguiu segurar a barra do Temer no caso Joesley, com vistas a estancar a crise política que vinha atravancando o país. Cumprira sua missão.

Entretanto, desgraçadamente ele mesmo e seu pai foram citados numa das temíveis delações dos magnatas da Odebrecht. Numa lista de apelidos pitorescos dos políticos ladrões, Rodrigo aparecia alcunhado como “Botafogo”, seu time de coração, e César como “Déspota”. 

Com base numa análise do sistema de propinas da empreiteira, a Procuradoria-Geral da República, à época sob o comando de Raquel Dodge, apontou que Maia filho e Maia pai teriam recebido valores da empreiteira, somando R$ 1,4 milhões, para bancar suas campanhas entre 2008 e 2010. 

Mais tarde, em agosto de 2019, um inquérito conclusivo da Polícia Federal cravou que Maia está metido em três crimes: caixa três, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. 

Pelo bem da pátria, porém, não há vivalma que se lembre disso e cobre das autoridades uma resposta cabal. Tudo pelo bem da pátria. 

Vale dizer que, mesmo com a denúncia botafoguense lhe pesando nos ombros, Maia reelegeu-se deputado no pleito de 2018 e acabou escolhido para permanecer como Dono da Casa Baixa no biênio 2019-2021.

Por fim, em 2019, Maia passou a comandar uma espécie revolta intestina para, na base do tapetão, emplacar o parlamentarismo no Brasil. A cria do Déspota quer virar Premiê, Chefe de Governo. (Mas, claro, sem passar pelo crivo do povo).

O tom assumido pelo todo-poderoso do Congresso é de que a classe política, esta mesma odiada pelo população, pois não há saco social que suporte década e meia da mais desavergonhada roubalheira seguida dos mais rematados trambiques para se safar das punições, para Maia a politicada, ao contrário, é gente boa, gente necessária, e que se o país está andando, se houve reforma da previdência, se a economia saiu do brejo, se a criminalidade aliviou, é tudo por causa dos parlamentares sérios, destes que estão muito acima das arengas ideológicas, que só tem como norte, do amanhecer ao pôr-do-sol, o futuro áureo para a nação. 

Maia, portanto, é o líder daquele grupo que segue a tendência política que se queria com o DASP. Está no sangue. 

Vale acrescentar que esta postura de Maia rendeu-lhe o ônus de ser um dos principais alvos dos apoiadores do atual governo, sobretudo na internet. 

Numa porção de manifestações pelas redes e mesmo em protestos públicos, Maia, apelidado de Nhonho, foi o principal alvo da turba, acusado de atrapalhar o governo com o fim de engrandecer-se e se tornar uma sombra ainda maior, sombra debaixo da qual centristas e afins poderão seguir escondidos.

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