ALTA CULTURA

OLAVO EM PORTUGAL

Brás Oscar · 28 de Dezembro de 2019 às 14:27 ·

Impressões do colóquio “O magistério de Olavo de Carvalho: para uma Paideia integral”, realizado em Lisboa

 

Brás Oscar Especial para BSM

Na estrada entre a Vila da Batalha e Lisboa, o Padre Júlio me fez notar, em seu podcast Theósis, que a data escolhida para o primeiro grande evento sobre Olavo de Carvalho em Portugal, dia 25 de novembro, era o dia de Santa Catarina de Alexandria, a padroeira dos filósofos e estudantes de filosofia.

Olavo de Carvalho não era, até então, autor publicado em Portugal, e muito menos um “popstar” das redes sociais como o é no Brasil. Logo, apesar de estar impressionado com a ideia de que alguns nomes de peso da academia portuguesa promovessem um colóquio sobre o filósofo, apostava que minha ida a Lisboa me renderia somente a participação numa plateia com mais meia dúzia de imigrantes brasileiros alunos de Olavo.

Além do colóquio, haveria o lançamento da edição portuguesa de “Aristóteles em nova perspectiva”, primeira publicação de Olavo em Portugal, obra em que o autor apresenta a introdução a uma de suas maiores colaborações para a filosofia: a Teoria dos Quatro Discursos.

 

Cheguei à capital lusa e fui direto para a Sociedade de Geografia de Lisboa; abrigada num prédio clássico e elegante do século XIX, próximo às Portas de Santo Antão: seria lá que se reuniriam logo mais, para conversarem sobre o velho professor não diplomado, alguns doutores e escritores que deixariam doido qualquer crítico com fetiche por títulos universitários. Descobri que o fato de o evento ser no dia da padroeira dos filósofos foi uma daquelas felizes coincidências que, até então, os organizadores não haviam notado.

No turno da manhã as palestras variaram entre resumos da história da criação do Curso Online de Filosofia (COF), introdução a conceitos fundamentais da filosofia de Olavo, testemunhos de alunos sobre suas experiências diante da religião, família, amigos e trabalho após o contato com a maneira de lidar com a realidade proposta no COF e, ao fim deste primeiro painel, houve até uma tentativa de crítica ao posicionamento de Olavo em seu famoso debate com Aleksandr Duguin.

Foi depois do almoço que o brasileiro Rafael Nogueira, muito esperado por todos, em seu discurso sobre história brasileira e portuguesa, içou a filosofia e as ciências políticas para o foco de sua exposição e, em seguida, mostrou os equívocos na malfadada crítica a Olavo de Carvalho feita mais cedo (há um resumo de cada palestra ao fim).

O Dr. Renato Epifânio, escritor e presidente do Movimento Internacional Lusófono, foi o editor da versão portuguesa de “Aristóteles em Nova Perspectiva”. Epifânio lembrou que este foi o primeiro grande evento sobre Olavo em Portugal, mas, segundo ele, o interesse pelo pensamento do autor em Portugal aumentou muito nos últimos dois anos e prevê que deverá haver, além de outros eventos, mais títulos de Olavo publicados em Portugal em 2020, e que os textos apresentados no colóquio serão publicados na Nova Águia, a mais importante revista de alta cultura de Portugal.

Conversei com a audiência na pausa para o café: os portugueses, ou leram Olavo através de um livro emprestado por um colega brasileiro, ou passaram a buscá-lo nas mídias sociais após saberem de sua existência por alguma crítica publicada nalgum jornal local na altura da eleição do Bolsonaro e, ao escutarem o filósofo em suas próprias palavras, aperceberam-se que os poucos jornais portugueses que tocam no nome de Olavo não falam dele, mas de um espantalho retórico.

Dentre os brasileiros, conversei com Daniel Sanches, 35 anos, pianista. Ele me contou que conheceu Olavo de Carvalho em 2005, através de sua antiga coluna no Jornal “O Globo”, e o que chamou sua atenção para o filósofo foi a qualidade da sua escrita. Daniel afirmou que foi a filosofia de Olavo que o salvou de enveredar por correntes políticas extremistas na época da faculdade.

O jornalista português António Abreu contou-me como a postura de Olavo ao enfrentar a censura do politicamente correto serve-lhe de inspiração para a luta pela liberdade jornalística em Portugal, onde a mídia e os seus meios de controle não diferem muito do que ocorre no Brasil.

Em meio a toda aquela gente com altas titulações acadêmicas, membros de sociedades científicas reconhecidas por toda a Europa e autores respeitados pelo seu contributo à intelectualidade portuguesa, era impossível não me lembrar dos argumentos favoritos dos críticos de Olavo no Brasil: não ter um diploma e não ter relevância na academia. Não é opinião, é mera descrição de um fato: Olavo de Carvalho é um filósofo relevante para muitos acadêmicos e intelectuais portugueses, muito importante para lusofonia de acordo com vários dos palestrantes e, para o professor Artur Silva, mestre em literatura e línguas, um filósofo de importância mundial. Quanto à ausência de diplomas, quando perguntei aos palestrantes e audiência, a resposta que obtive era quase sempre a mesma, em síntese: a academia não tem o monopólio da filosofia e um diploma não tornaria melhor ou pior o que Olavo escreve e ensina.

A minha impressão, por fim, foi de que há um anseio por parte dos intelectuais conservadores portugueses em aprender com as experiências brasileiras, em entender o fenômeno da influência do pensamento conservador na revolução popular que se iniciou no Brasil, algo um pouco distante ainda de ocorrer em Portugal, onde a elite política é uma versão lusitana do teatro PSDB X PT que ficou em cartaz por anos no Brasil. Porém, como lembrou Jaime Nogueira Pinto em sua palestra, não é prudente correr o risco de uma reação sem uma base cultural, e nesse ponto Portugal está a se organizar melhor que o Brasil: há um movimento de bastidores para se contruir primeiramente uma elite intelectual que, por enquanto, se preocupa menos com polêmicas políticas e mais em reconstruir a identidade nacional, e isso torna-se percetível ao escolherem debater o pensamento de Olavo de Carvalho por seus escritos filosóficos, e não por seus best-sellers de comentários políticos.

RESUMOS DAS PALESTRAS

- A exposição inicial feita pelo escritor e engenheiro Mário Chainho resumiu o que era o COF (Curso Online de Filosofia), sua história e sua capacidade de fornecer os elementos necessários para a autoeducação em todas as áreas pertinentes a alta cultura. Chainho chegou então ao conceito de paideia e traçou paralelos inegáveis entre Olavo e Sócrates.

- António Vieira, radialista e estudante de filosofia, interveio com uma exposição acerca da “experiência do espanto ante o novo”, e narrou suas primeiras impressões da leitura de Olavo de Carvalho e de como elas o ajudaram a notar a discrepância entre a idéia e a pessoa que a anuncia, frequente e quase obrigatória, na mídia.

- Artur Silva, mestre em língua e literatura, falou sobre o conceito de Imaginário Literário na filosofia de Olavo: sem síntese imaginativa não há filosofia, sem adestramento do imaginário não há desenvolvimento de imaginação moral que nos permita empatia e, consequentemente, amor ao próximo.

- O Magistério Católico de Olavo de Carvalho foi o tema da fala da psicóloga Juliana Rodrigues. A honestidade na confissão da experiência real é algo incentivado na filosofia de Olavo, assim como o desenvolvimento de uma personalidade moral paralelamente à personalidade intelectual, segundo Juliana. Apesar de não haver um enfoque diretamente religioso nas aulas de Olavo, a maneira como ele conduz o ensino da lógica e da moral, colocando a busca da verdade como forma de observar o primeiro mandamento (amar a Deus), faz o aluno desenvolver uma relação pessoal com o divino, vendo Deus não como um Criador que se afastou do Mundo, mas como um Deus que age na História, um Deus que é uma pessoa. A psicóloga finalizou com o testemunho da conversão sua e de outros alunos.

- O pesquisador e professor universitário Alexandre Franco de Sá teve a missão de tentar tecer algumas críticas ao debate célebre entre Olavo de Carvalho e Aleksandr Duguin, com uma palestra intitulada “O Mundo Lusófono e a Ambiguidade do Ocidente”. Ele chegou a esboçar elogios ao livro que seria lançado no evento, entretanto, o ponto principal de sua fala, as críticas a Olavo por defender naquele debate um conservadorismo americano em vez de buscar a portugalidade como experiência mais viável para o Brasil, foi uma amostra de confusão: na verdade, o conservadorismo defendido por Olavo que serviu de base para combater o comunismo nos Estados Unidos não é uma ação governamental ou estatal, como deu a entender o Professor Franco de Sá, mas sim algo popular e espontâneo e que fomenta uma experiência política que ainda está em andamento, e deve servir de inspiração para o Brasil dentro de uma certa medida limitada pelas diferenças entre as realidades sociais brasileira e americana, cabendo ao Brasil ter uma elite intelectual conservadora apta a criar soluções para a nossa realidade. Essas últimas observações foram levantadas, aliás, pelo professor Rafael Nogueira em sua palestra logo a seguir. A visão do Professor Franco de Sá pode ter sido confundida talvez por falta de intimidade com a obra de Olavo e com a situação política brasileira.

- Durante a tarde, o Professor Rafael Nogueira, presidente da Biblioteca Nacional do Brasil, contrariando a crítica anterior de que Olavo de Carvalho não privilegiava a portugalidade em sua filosofia, mostrou a importância do trabalho do filosofo brasileiro no atual processo de resgate da alta cultura nacional e como isso passa obrigatoriamente pelo resgate da História e das raízes lusitanas do Brasil. A fala do Professor Nogueira desenhou as ligações ancestrais inquebráveis entre Brasil e Portugal, mas também expôs um quadro preciso do atual contexto sociopolítico brasileiro, no qual a filosofia de Olavo vem como agente de reconstrução de uma identidade nacional lusófona.

- O jornalista António Abreu, do portal “Notícias Viriato”, fez uma defesa apaixonada e eloquente da liberdade de expressão, trazendo denúncias criteriosas de parcerias entre o Estado e grandes grupos de mídia para criaram projetos nas escolas portuguesas que “ensinavam as crianças o que era uma notícia verdadeira”. António insistiu que os portugueses que de fato desejam enfrentar o establishment precisam inspirar-se na postura de Olavo diante do politicamente correto.

- Pedro Vistas, escritor e pesquisador académico, fez um discurso sobre “Olavo de Carvalho como expressão (im)prevista do grupo da filosofia portuguesa”. Ao frisar a “tragédia da universidade”, que definiu como “o abandono da Verdade para servir a Utilidade”, mostrou como Olavo representa o retorno do pensamento escrito em língua portuguesa às raízes de uma filosofia integralmente vivida, que segue rumo à filosofia primária professada por Sócrates, que permite-nos aquilo que os antigos gregos chamavam de metanoia, algo que implica uma reperspetivação, e em contraponto, criticou o posicionamento universitário em tratar a filosofia como mera sucessão de eventos historiográficos. Segundo Pedro Vistas, Olavo se aproxima da filosofia tradicional portuguesa ao entregar-nos uma filosofia encarnacionista, permitindo-nos descobrir aquilo que nós, portugueses e brasileiros, temos de essencialmente comungados: a afeição lusíada entre ambos, vistos nesse enfoque não como dois povos, mas como uma mesma substância, descoberta através da comunhão da mesma língua.

- O filósofo Joaquim Domingues narrou suas impressões iniciais ao tomar contato com a filosofia de Olavo de Carvalho e defendeu que, mesmo seguindo uma linha diferente, Olavo acaba por convergir também para as raízes da filosofia portuguesa. Domingues salientou que o livro “Aristóteles em nova perspectiva” presenteia-nos com a lição de que não há hiato entre a filosofia e a poética portuguesa, e destacou a importância de Olavo de Carvalho em permitir-nos filosofar e pensar, brasileiros e portugueses, numa mesma língua.

- Carlos Aurélio, escritor e pensador, contou sobre como o filósofo português António Telmo apresentou-lhe o pensamento e obra de Olavo de Carvalho e classificou como muito importante a “insubmissão” de Olavo. Aurélio relatou suas impressões da obra “O Jardim das Aflições”.

- Jaime Nogueira Pinto, escritor, cientista político e membro da Real Academia de Ciencias Morales y Politicas, falou sobre a destruição de identidades e da necessidade de as reconstruirmos por intermédio dos valores nacionais e conservadores, pois corre-se grande risco se houver “reação sem base cultural”, deste modo, alçou como “de grande valor para a língua portuguesa” a publicação da primeira obra de Olavo de Carvalho em  solo luso, e classificou o filósofo brasileiro como “um franco-atirador” dentro do contexto da guerra cultural.

- O filósofo e escritor Rodrigo Sobral Cunha explanou sobre a tradição aristotélica de outrora na filosofia portuguesa e sua busca pelo “homem integral”, lembrou que até mesmo Leibniz estudara os aristotélicos de Coimbra, entretanto, tal tradição encontrou seu fim com o Marquês de Pombal, que substitui o aristotelismo pelas idéias de António Genovese. Sobral Cunha afirmou que “tal homem integral” está plenamente integrado à Teoria dos Quatro Discursos de Olavo de Carvalho, e deste modo, a filosofia olaviana, como parte da lusofonia, representa um resgate da nossa tradição filosófica.

 


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