DIÁRIO DE UM CRONISTA

O filho que procura o pai

Paulo Briguet · 11 de Agosto de 2024 às 10:33 ·

Três poemas para Paulo Lourenço no Dia dos Pais

I

Procuro-te pai, no espelho das águas,
nas portas das casas de paredes vagas,
nas vozes dos homens que atravessaram
o rio de silêncio das coisas passadas,
nas mãos que há anos esfregam e lavam
o mesmo lençol de terra manchado.
E mesmo nos bares repletos da água
que as aves sedentas nunca tomaram
eu te procuro, como procuraram
cães pelos donos depois da batalha,
pais pelos filhos que um dia deixaram
a casa e o leito em troca de nada.
E nesta procura que me ultrapassa
encontro a visão serena da graça.

 

II

Às vezes te vejo, pai, nas janelas,
na praça, no sonho, nas páginas velhas,
do livro achado em pálidas eras.
Se sempre procuro, sei que esperas,
na pausa de Bach, no som das esferas,
nos sons da cidade ou em outras terras,
não me importando se o mundo reitera
que é tudo miragem e tola quimera.
No solo, o cão a prenda enterra;
o mestre de obras sustém a pedra
e assim desafia as forças da queda.
Assim eu também combato a treva
e olho de frente a face daquela
que me acompanha e me observa


III

Meu pai não mora nesta pedra.
Distante vai, e a ele sigo.
Na gravidade de uma queda
é que ele mora, meu amigo.
Meu pai não mora neste mundo,
não é daqui seu endereço.
Mora no raso e no profundo
e no direito e no avesso.
Meu pai só mora na semente
que plantei numa certa manhã
e em abril veio ao mundo Pedro.
Tornado pai, essencialmente,
vou com a vida, minha irmã,
vencer o inimigo medo.

Paulo Briguet é filho do cronista e advogado Paulo Lourenço (1941-2008).

 


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