O Coronel que proibiu Machado
Está lá o governador de Rondônia girando de um lado para o outro na sua cadeira de couro. Na cabeça fervilhante, um chapéu branco de caubói; no peito agoniado, por cima da camisa xadrez, sua insígnia de Coronel. A situação do país lhe pesa nos ombros. Mascando um talo de capim no canto da boca, ele tenta espantar umas idéias que há muito o vêm desassossegando:
“A juventude está corrompida, devassada. Todo mundo vendo pornografia, a moçada iniciando cada vez mais cedo na vida de sexo, nas drogas. Ninguém respeita os mais velhos. Os alunos estão batendo nos professores. Tudo avacalhado. Onde esse país vai parar? O que eu faço? O que eu faço?”
Eis que nesse exato momento um halo forte de luz invade seu gabinete e cega completamente as suas vistas. No mesmo, um espectro chifrudo com voz trovejante fala-lhe em tom oracular:
— Não se aflija, governador. Todos os problemas morais do Brasil podem ser resolvidos com essa sua caneta BIC. Ouça bem: você só precisa tirar de circulação, das escolas e das bibliotecas públicas, os clássicos da literatura nacional. Machado de Assis, Euclides da Cunha, Mário de Andrade, Nelson Rodrigues, Ferreira Gullar, Carlos Heitor Cony, Rubem Fonseca, Rubem Alves – sobretudo o Rubem Alves. Se você quer mesmo ser o herói restaurador do decoro, dos bons costumes, da ordem e do progresso, faça isso, imediatamente.
Disse e, como se sugado por uma passagem interdimensional, desapareceu, sem deixar vestígios.
Esbaforido como normalmente fica quem papeia com assombrações, o governador, amalucado, ligou para o secretário da Educação.
— Suamy, meu velho, corre pra cá que eu tive uma ideia…