Morre o primeiro preso político da ditadura brasileira
Cleriston Pereira da Cunha, de 46 anos, passou mal durante banho de sol na Papuda. Em setembro, PGR concedeu parecer favorável à soltura do preso, por motivos de saúde
“Silvana, você está sabendo de alguma coisa? Que aconteceu? Que aconteceu com meu pai? (...)”
(Filha de Cleriston Pereira da Cunha)
Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, empresário, casado, pai de duas filhas, natural de Feira da Mata (BA), residente há mais de 20 anos em Brasília, conhecido como “Clezão”, é a primeira vítima fatal da ditadura democrática instaurada pelo STF desde os acontecimentos de 8 de janeiro. Ele morreu na manhã de hoje, após o banho do sol no Presídio da Papuda, quando sofreu uma convulsão seguida de parada cardiorrespiratória.
O médico e preso político Frederico Rosário Fusco, conhecido por ajudar os companheiros do cárcere, tentou dar o primeiro atendimento a Cleriston, mas não conseguiu reanimá-lo. Segundo os primeiros relatos, houve demora na transferência do preso para um hospital. Sua morte foi confirmada no início da tarde.
Em 27 de fevereiro de 2023, a médica Tania Maria Liete Antunes de Oliveira, da Hospital Regional de Taguatinga, emitiu o seguinte relatório médico sobre o paciente Cleriston Pereira da Cunha:
“Paciente de 45 anos acompanhado na reumatologia há cerca de 8 meses por quadro de vasculite, de múltiplos vasos e miosite secundária à COVID-19, permaneceu internado em 2022 por 33 dias, submetido a pulsoterapia de corticoide e antibioticoterapia.
Após alta hospitalar, está em uso das seguintes medicações:
Prednizona em desmame. Atualmente, 5 mg por dia
Fluxotina 20 mg, dia devido a síndrome vasovagal secundária a vasculite
Propranolol 20 mg, de 12 em 12 horas.
Azatioprina 100 mg por dia.
Em função da gravidade do quadro clínico, há risco de morte é pela imunossupressão e infecções. Solicitamos agilidade na resolução do processo legal do paciente, até pelo risco de nova infecção por COVID, que pode agravar o estado clínico do paciente. Possuía consulta no ambulatório de reumatologia do hospital regional de Taguatinga, agendado para 30/01/2023, às 13h, mas não compareceu devido ao impedimento legal, não compareceu à consulta do dia 27/02/2023 devido à mesma situação. Necessita manter o acompanhamento médico contínuo e uso das medicações prescritas de forma correta.”
Desde 1º de setembro, havia um parecer da Procuradoria-Geral da República (PGR) favorável à soltura do preso, em razão de seu delicado estado de saúde. No parecer, o subprocurador Carlos Frederico dos Santos afirmou que “não se justifica a segregação cautelar, seja para a garantia da ordem pública, seja para conveniência da instrução criminal, especialmente considerando a ausência de risco de interferência na coleta de provas”. Mesmo assim, não o ministro Alexandre de Moraes não se manifestou.
Segundo relatos de pessoas que o conheceram na Papuda, Clezão era uma figura benquista entre os companheiros de infortúnio. Seu estado de saúde inspirava cuidados há muitos meses. Ele já havia sido transferido para um hospital durante alguns dias e queixava-se constantemente de dores no peito.
“O estado de saúde de Cleriston já havia motivado o parecer da PGR. Estamos diante de um caso claro de abuso de autoridade, que resultou em morte”, diz o advogado Cláudio Caivano, autor do livro 08.01 – A História Não Contada. “Houve um ato criminoso, ainda que culposo. É um caso que deve ser apurado com rigor.”
Cleriston foi preso em 8 de janeiro quando se refugiou em um prédio da Praça dos Três Poderes para se proteger das bombas de gás lacrimogêneo e dos tiros com bala de borracha. Preso por estar no lugar errado e na hora errada, o empresário morreu pelo mesmo motivo. Há 80 dias, ele deveria estar em casa, com sua esposa e suas filhas.
Mas Moraes não permitiu.
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