LEGISLATIVO

Entenda o projeto do Marco Temporal aprovado na Câmara dos Deputados

Diógenes Freire · 31 de Maio de 2023 às 16:36 ·

Na prática, a aprovação do projeto na Câmara representa mais uma derrota para o regime petista, já que o projeto restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal

Na última terça-feira (30), a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 490/07, chamado de Marco Temporal. A proposta tira da Fundação Nacional do Índio (Funai) o poder de demarcação de terras e transfere essa competência para o Congresso, mediante aprovação de lei na Câmara e no Senado.

Na prática, a aprovação do Marco Temporal na Câmara representa mais uma derrota para o regime petista, já que o projeto restringe a demarcação de terras indígenas àquelas já tradicionalmente ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

O texto aprovado pela Câmara é um substitutivo apresentado pelo relator da matéria, o deputado Arthur Oliveira Maia (União-BA). No texto, o relator especifica que para ser considerada terra indígena, precisa ser comprovado que na data da promulgação da Constituição, o local era ao mesmo tempo habitado em caráter permanente, usado para atividades produtivas e necessárias à preservação dos recursos ambientais e à reprodução física e cultural.

Se não cumprir os requisitos, que estão especificados na própria Constituição, a terra não poderá ser reconhecida como tradicionalmente ocupada.

O substitutivo de Maia ainda prevê:

  • permissão para plantar cultivares transgênicos em terras exploradas pelos povos indígenas;
  • proibição de ampliar terras indígenas já demarcadas;
  • adequação dos processos administrativos de demarcação ainda não concluídos às novas regras; e
  • nulidade da demarcação que não atenda à nova regra.

De acordo com Maia, sem o marco temporal, o Brasil teria 1,5 milhão a mais de desempregados e uma perda significativa das exportações.

“Cada índio atualmente tem direito a 390 hectares. Caso não prevaleça a nossa vitória do PL 490 e se acabe com o marco temporal, teríamos a demarcação de mais do dobro da quantidade de terras indígenas já demarcadas, e cada índio teria 790 hectares de terra [...] O país não pode viver num limbo de insegurança”, afirmou o parlamentar.

Atualmente, a demarcação de terras indígenas é realizada pela Funai por meio de procedimento administrativo que envolve critérios como:

  • a verificação por um antropólogo da demanda apresentada pelo povo indígena; 
  • estudos de delimitação; 
  • contraditório administrativo, para que outros interessados na área possam se manifestar;  
  • aprovação e o registro da demarcação. 

O processo da Funai é encaminhado para aprovação do presidente da República Depois de assinado um decreto presidencial, o governo dá início a uma operação de retirada dos ocupantes da região considerados não-índios. Em tese, as pessoas desalojadas devem ser indenizadas pela Funai.

De acordo como autor do projeto de 2007, o ex-deputado Homero Pereira (PSD-MT), muitas vezes as demarcações ultrapassam os limites da política indigenista, avançando sobre interesses ligados a áreas de proteção ambiental, à segurança na faixa de fronteira, a propriedades privadas, a projetos de infraestrutura (estradas, redes de energia, comunicação) e a recursos hídricos e minerais, entre outros.

“Embora esteja amparada na Lei 6.001/73 (Estatuto do Índio), a Funai vê-se compelida a exercer seu juízo discricionário sobre questões complexas que extrapolam os limites de sua competência administrativa”, diz a justificativa elaborada pelo ex-deputado que acompanha o texto do projeto.

Antes de ser aprovado pela Câmara, o Marco Temporal foi aprovado na Comissão de Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural, rejeitado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias e aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania.

A tese do Marco Temporal

Ao julgar um conflito entre agricultores e indígenas que disputavam a região conhecida como Raposa Serra do Sol, em Roraima, no ano de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu em favor dos indígenas. 

Na decisão, o STF argumentou que os índios já ocupavam a área antes da promulgação da Constituição de 1988. O parecer da Suprema Corte foi visto como uma exceção à regra, já que o artigo 231 da Constituição reconhece o direito dos índios “sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, mas não determina nenhuma data de referência para a validade do dispositivo.

O que a princípio foi visto como uma vitória por ONGs e militantes da extrema-esquerda, acabou abrindo um precedente contrário à “causa indígena” e desagradando alguns indigenistas. Uma vez criada a exceção pelo STF, a mesma regra passou a ser reivindicada para impedir que o governo tomasse terras que, historicamente, não eram ocupadas por índios até a promulgação da Constituição.

Ao comentar sobre o marco temporal criado pelo STF, o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Alberto Terena, chegou a dizer que "é uma ironia dos juristas, um deboche muito grande, essa teoria do marco temporal”.

“Alguns povos não estavam em suas terras em 1988 porque a forma histórica de colonização do Brasil deixou muitas marcas, com indígenas sendo expulsos de seus territórios”, concluiu Terena.   

A exceção como regra

Em julho de 2017, o então presidente Michel Temer (MDB) aprovou um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) para aplicar a interpretação do STF sobre o artigo 231 da Constituição em cerca de 30 processos de demarcação de terras emperradas no Ministério Público Federal (MPF).

O caso mais emblemático abarcado pelo parecer da AGU foi o dos indígenas Xokleng, da terra Ibirama La-Klãnõ, em Santa Catarina. Mesmo não ocupando a área em 1988, quando foi promulgada a Constituição, os indígenas conseguiram a demarcação de cerca de 37 mil hectares amparados pelo argumento de que haviam sido expulsos da região na primeira metade do século XX.

Na época, ao comentar sobre o parecer, a jurista Juliana de Paula Batista disse que a AGU “pinça argumentos de votos dos ministros que sequer foram objeto de análise pelo Pleno do Tribunal" e “também ignora por completo os precedentes judiciais do STF que deixam claro que as condicionantes fixadas no caso Raposa Serra do Sol foram estabelecidas para orientar e operacionalizar a demarcação daquela Terra Indígena”.

STF

Em 2021, o ministro do STF, Nunes Marques, votou a favor do marco temporal no caso de Santa Catarina. De acordo com o ministro, sem a referência temporal, haveria “expansão ilimitada” de áreas “já incorporadas ao mercado imobiliário”. Marques também alertou que sem o marco temporal, a “soberania e a independência nacional” estariam em risco.

O ministro também entende que a ampliação da terra indígena de Santa Catarina requerida pela Funai é indevida, por se sobrepor a uma área de proteção ambiental.

Ao contrário de Marques, o ministro Edson Fachin disse que o procedimento demarcatório realizado pelo Estado não cria as terras indígenas – ele apenas as reconhece, já que a demarcação é um ato meramente declaratório. Fachin é relator da ação de Santa Catarina.

A depender da decisão do julgamento do STF, se favorável à Funai no caso de SC, o parecer da Corte poderá contrariar a decisão do Congresso, se confirmada a aprovação pelo Senado do PL 490/07.

 


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