COMEÇA A GUERRA CONTRA O ANALFABETISMO
“Um país não pode ser rico antes de ser inteligente.” (José Monir Nasser, professor, economista e escritor paranaense)
Nas últimas décadas o Brasil viveu três genocídios. O genocídio de sangue, com quase 70 mil homicídios por ano; o genocídio do roubo, com a corrosão do Estado e a destruição da economia nacional; e aquele que talvez seja o pior de todos: o genocídio da inteligência, com o analfabetismo funcional que atinge milhões de brasileiros. O primeiro genocídio começou a ser combatido, com a redução em 20% dos homicídios em 2019. Vidas foram salvas. O segundo genocídio está sendo enfrentado por um governo que escolheu uma equipe técnica, baniu o toma-lá-dá-cá e até agora passou sem escândalos de corrupção. Recursos foram salvos. O terceiro genocídio começa a ser derrotado agora, com o lançamento do maior programa de alfabetização da história — intitulado Tempo de Aprender. Inteligências serão salvas.
O programa Tempo de Aprender foi lançado oficialmente hoje (18) pelo MEC, em solenidade que contou com as presenças de seu maior apoiador — o ministro da Educação, Abraham Weintraub — e do seu grande idealizador — o professor Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização do MEC. Desde que assumiram suas funções no governo, Weintraub e Nadalim sabem que a guerra contra o analfabetismo não se ganha da noite para o dia. Para chegar ao programa que começa a rodar a partir de hoje, foi necessário elaborar um cuidadoso diagnóstico dos principais fatores que perpetuam o analfabetismo funcional dos brasileiros. São os seguintes: o déficit na formação pedagógica e gerencial dos professores e gestores escolares; a falta de materiais e recursos estruturados para a prática de alfabetização; as deficiências no acompanhamento da evolução dos alunos; e o baixo incentivo ao desempenho dos professores alfabetizadores e gestores educacionais.Formação continuada de profissionais da educação
Não se ganha uma guerra sem bons soldados. E o principal soldado na guerra contra o analfabetismo é o professor. Por isso, o programa Tempo de Aprender começa pelo aperfeiçoamento dos profissionais de alfabetização. A formação dos professores e gestores, segundo o projeto, estará centrada em seis componentes: 1) aprendendo a ouvir, 2) conhecimento alfabético, 3) fluência em leitura oral, 4) desenvolvimento de vocabulário, 5) compreensão de textos e 6) produção de escrita.
A partir de agora, o MEC vai disponibilizar, por meio de seu site, um curso on-line de Formação Continuada de Profissionais da Educação, destinado a professores, coordenadores pedagógicos, diretores escolares e assistentes de alfabetização, mas também aberto para gestores de redes escolares e qualquer cidadão brasileiro interessado no tema. No curso, são apresentadas estratégias de ensino, atividades e avaliações destinadas ao 1º e ao 2º ano do ensino fundamental. Todo o conteúdo é baseado em evidências científicas comprovadas por experiências de alfabetização bem-sucedidas no Brasil e em outros países. Segundo a Secretaria de Alfabetização, esses conteúdos são de acesso livre e gratuito para qualquer pessoa interessada, não dependendo de adesão do Estado ou Município ao programa do Governo Federal. Em outras palavras: nenhum conteúdo será imposto aos professores ou aos entes federativos. Trata-se de um conteúdo de alta qualidade que pode ser acessado por livre adesão. No segundo semestre, o MEC deverá realizar edições presenciais do mesmo curso, conforme a solicitação das secretarias estaduais e municipais. Para esse curso de formação, o orçamento é de R$ 3 milhões e o público-alvo, de 300 mil professores em todo o país.
O Tempo de Aprender também prevê, ainda no segundo semestre de 2020, um curso de Formação Prática para Gestores em Educação, destinado a mais de 80 mil gestores escolares de todo o país. Concebido em parceria com a Enap (Escola Nacional de Administração Pública), esse curso terá versões on-line e presenciais, e tem como objetivo a capacitação de gestores educacionais para garantir o necessário suporte didático, estrutural e financeiro da alfabetização nas escolas. O orçamento deste curso é de R$ 1,5 milhão.
Uma terceira linha de apoio à formação de professores alfabetizadores será a realização de um intercâmbio com envio de profissionais da educação para o curso Alfabetização Baseada na Ciência, oferecido pela Universidade do Porto (Portugal). Segundo o MEC, o objetivo é iniciar o processo de internacionalização de práticas consagradas em alfabetização. A seleção dos professores que irão a Portugal será feita ainda no primeiro semestre de 2020, e o curso terá início em na segunda metade do ano. O investimento será de R$ 6 milhões.
Apoio pedagógico para a alfabetização
No primeiro semestre de 2020, entrará em operação o Sistema On-line de Recursos para Alfabetização (Sora). Trata-se de ferramenta desenvolvida pelo Laboratório de Tecnologia da Informação e Mídias Educacionais (Labtime), da Universidade Federal de Goiás, que permitirá o acesso a recursos pedagógicos, como estratégias de ensino, atividades e avaliações formativas, com respaldo em práticas exitosas de alfabetização. Com custo de R$ 300 mil, o sistema deverá atender mais de 300 mil professores.
O Tempo de Aprender prevê um investimento de R$ 183 milhões para despesas das escolas que contam com assistentes de alfabetização, profissionais que auxiliam os professores em sala de aula. Esses recursos foram disponibilizados pelo Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE), coordenado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Os repasses seguem um calendário oficial, com atendimento prioritário às escolas em situação de vulnerabilidade.
O apoio pedagógico para alfabetização inclui uma reformulação do programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, com objetivo de elevar a qualidade das obras e adequar às evidências científicas os materiais do programa.
Aprimoramento da avaliação
Um dos aspectos primordiais do Tempo de Aprender é a implementação do Estudo Nacional de Fluência, que irá fornecer às redes de ensino uma ferramenta de diagnóstico de fluência em leitura oral para alunos do 2º ano do ensino fundamental. O estudo será aplicado no fim de 2020 para todas as redes que aderirem ao programa Tempo de Aprender. O orçamento da iniciativa é de R$ 20 milhões e pode atingir cerca de 2 milhões de alunos.
O secretário nacional de Alfabetização, Carlos Nadalim, afirma que a fluência deve se tornar “uma bandeira” para a educação em todas as escolas. A opinião é compartilhada pela professora Ilona Becskeházy, uma das mais respeitadas estudiosas da alfabetização no Brasil. Para ela, o teste de fluência de leitura é um instrumento indispensável na guerra contra o analfabetismo: “Não confie em ninguém que relativize a importância da medida de fluência na educação. É tão terraplanista (para usar um termo jocoso da moda) quanto relativizar medida de temperatura na área da saúde. Posto de saúde tem que medir temperatura corporal como item essencial de avaliação da saúde dos indivíduos? Então, na área da educação essa medida basal, mínima, é a fluência: quantas palavras uma pessoa consegue ler de um texto conexo e apropriado para sua idade, por minuto, demonstrando ter compreendido o que leu. Da mesma forma que o termômetro é fácil de ler e comparar em uma escala, mas é um instrumento técnico cuja fidedignidade depende de aspectos técnicos na sua montagem, assim é a medida de fluência”.
Alguns governadores e secretários de Educação têm criticado o programa Tempo de Aprender por supostamente “estar sendo imposto” pelo governo federal. Nada poderia estar mais longe da realidade. Não haverá imposição alguma — trata-se de um programa de livre adesão. O diretor de Políticas de Alfabetização do MEC, Fábio Gomes Filho, afirma que todas as ações específicas do programa serão normatizadas em parceria com as secretarias estaduais e municipais de Educação. “Por exemplo, as normativas para a formação presencial de professores e gestores serão feitas em conjunto com Estados e Municípios. Tudo será feito de maneira institucional, inclusive com a participação do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed).”
Curiosamente, não houve críticas por parte de governadores e secretários estaduais quando a ex-presidente Dilma Rousseff lançou por medida provisória o famigerado PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), em 2013. Indignada com o problema do analfabetismo, Dilma decidiu investir R$ 3 bilhões em forma de bolsas, com um projeto de péssima qualidade, desenhado pelo MEC sem nenhuma consulta prévia. O PNAIC não respeitava a ciência cognitiva e não levava em conta os exemplos bem-sucedidos de outros países, além disso não trazia um método de avaliação da sua eficácia, e só podia dar no que deu: fracasso absoluto.
Ilona Becskeházy testemunhou essa tragédia, mas não foi ouvida. Em 2019, ao contrário, ela não só foi chamada como acompanhou toda a elaboração do Tempo de Aprender, tornando-se uma entusiasmada defensoras do programa. Segundo ela, Tempo de Aprender representa o cumprimento da lei maior do país: a Constituição Federal. “O Artigo 211 da Constituição diz que o Governo Federal, apesar de não operar escolas da educação básica, tem o papel supletivo, técnico e financeiro. Ou seja, o Governo desenha um programa e opera junto com os Estados e Municípios. Tempo de Aprender é o artigo 211 da Constituição Federal sendo materializado.”
Nesta terça-feira, durante a cerimônia de lançamento do programa, o ministro Abraham Weintraub disse ao secretário Carlos Nadalim:
— Espero que, no futuro, você venha a ser o novo Patrono da Educação Brasileira.
Se o sonho de Nadalim virar realidade e o Brasil ganhar a guerra contra o analfabetismo, essa hipótese não pode ser afastada.
(Colaborou Fernando de Castro.)