GÊNIO DO FUTEBOL

Adiós Dieguito

Paulo Briguet · 25 de Novembro de 2020 às 15:48 ·

Homenagem a Diego Armando Maradona, vice-rei do Império do Futebol, morto hoje aos 60 anos

Tarde ensolarada, 22 de junho de 1986, Estádio Azteca, Cidade do México. Argentina e Inglaterra disputavam as quartas-de-final da Copa do Mundo. Não era uma simples partida de futebol. Apenas quatro anos antes, Argentina e Inglaterra haviam se enfrentado em outro campo ― o de batalha, na Guerra das Malvinas. Ao final daquela sangrenta partida, vencida pelos britânicos, as ilhas voltaram a ser chamadas de Falklands. Mas as feridas ainda não estavam cicatrizadas. Depois da derrota humilhante nas gélidas Malvinas, os argentinos queriam a desforra na grama escaldante do Azteca.

Entre os guerreiros de azul, um se destacava acima de todos, apesar de atacarrado: Diego Armando Maradona, o Aquiles platino. Aos 6 minutos do primeiro tempo, o baixinho saltou perto da pequena área junto com o grandalhão Shilton, o goleiro inglês, e por súbita e genial malandragem valeu-se da parte do corpo que, pelas regras do futebol, só o guardador de metas está autorizado a usar: a mão. Bola na rede, Maradona olhou para os companheiros e abraçou-se a eles. O juiz Ali Bin Nasser, da Tunísia, talvez convencido pela comemoração efusiva dos argentinos, correu para o centro do gramado. Foi, sem dúvida, o gol mais polêmico de todas as Copas. E não existia VAR para anulá-lo.

Maradona e a imprensa argentina diriam que aquele gol foi feito com “la mano de Diós”. Porém, Deus tinha mais planos para Maradona naquela tarde mexicana. Depois do gol mais controverso, Maradona faria o gol mais bonito de todas as Copas. Driblou uma fileira de súditos britânicos a partir da intermediária, conduziu a bola por metade do campo, invadiu o território da área de Sua Majestade e disparou um petardo para vencer Peter Shilton mais uma vez ― mas agora com os pés.

O locutor argentino ― gostaria de saber seu nome ― foi literalmente à loucura:

“Gooool! Quero chorar! Golaço! Diegol Maradona! É para chorar, me desculpem... De que planeta você veio para deixar tantos ingleses pelo caminho?”

Quero chorar. Foi nessa frase que eu pensei quando recebi a notícia de sua morte, Maradona. Para minha geração, a geração de quem foi criança e adolescente nos anos 70 e 80, o encerramento do seu tempo regulamentar aqui na Terra equivale à perda de uma pessoa próxima. Adversário, rival, inimigo ― dirão alguns. Arrogante, lunático, boçal ― dirão outros. E a todos darei uma cota de razão. Porém, e daí? Acaso não posso lamentar a morte de um adversário capaz de produzir tanta beleza e tanto escândalo na pequena eternidade de 90 minutos?

Quero chorar, Maradona, porque é lícito lamentar quando o vice-rei de um império tão vasto chega ao seu ocaso. Sabemos que não foi essa a sua primeira morte, Maradona. Já era possível antever, nas entrelinhas de sua genialidade, os sinais de uma personalidade turbulenta e caótica. Não posso esquecer a sua entrada criminosa em Batista na Copa de 1982 ― que talvez tenha custado a desclassificação da seleção de Telê no jogo seguinte, contra a Itália ― em que o volante gaúcho nos seria utilíssimo.

Quero chorar, Maradona, por todos os gols que pretendo rever, e que serão para sempre exibidos às novas gerações de súditos do Reino da Bola. Mas também quero prantear as oportunidades que você perdeu; os maus exemplos que deu, com suas fraquezas e seus vícios; a sua amizade por ditadores e enganadores do povo; as suas opiniões erráticas (e aqui, podem acreditar, uso a palavra no sentido próprio). É pena que a Sombria Senhora tenha vindo justamente neste período em que a nação argentina passa por tantas agruras nas mãos de um governo nefasto. Sim, você era um perna-de-pau no mundo da política, mas isso não apaga ― aquele passe que deixou o Caniggia na cara do gol em 1990. Antes apagasse...

Quero chorar, Maradona, por você ter partido poucos dias depois de completar 60 anos, quando recebeu os parabéns de outros gênios do panteão futebolístico, tais como Sua Majestade o Rei Pelé e os arquiduques Romário, Cristiano Ronaldo e outros.  

Maradona, quero chorar junto com a pátria argentina, a terra de Borges e de Cortázar, de Piazzolla e de Gardel, de Campanella e de Messi, e do Papa Francisco. Quero rezar por sua alma, Garoto de Ouro, e pedir a misericórdia para um ser abençoado com a genialidade e com o dom de despertar as mais profundas emoções entre os filhos de Deus. Hoje eu ouvirei o tango de Piazzolla ― Adiós Nonino ― como se fosse Adiós Dieguito.  

Ao contrário do que disse o locutor em 1986, você não veio de outro planeta, Maradona. Deus o colocou aqui justamente para a alegria dos terráqueos ― se você também causou dor e confusão, não sou eu quem vai julgar, é Ele. Espero, sinceramente, que a mão de Deus o acolha no campo da morada eterna.

É tempo de encontrar a mão que fez esses pés, Dieguito.

Paulo Briguet é cronista e editor-chefe do BSM.

 


"Por apenas R$ 12/mês você acessa o conteúdo exclusivo do Brasil Sem Medo e financia o jornalismo sério, independente e alinhado com os seus valores. Torne-se membro assinante agora mesmo!"



ARTIGOS RELACIONADOS