DIÁRIO DE UM CRONISTA
Adeus, Glória Maria
Ela começou cobrindo a queda de um viaduto e se tornou um ícone da televisão
Era uma manhã de sábado, 21 de novembro de 1971. A jovem repórter Glória Maria, que pouco antes havia sido contratada pela Rede Globo de Televisão, preparava-se para almoçar com os colegas de redação, quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, alguém disse que o viaduto da Avenida Paulo de Frontin, ainda em construção, havia desabado sobre vários veículos. Glória achou que fosse um trote. Mesmo assim, rumou para o local.
Não era trote. A passagem de um caminhão que carregava oito toneladas de concreto havia provocado o desabamento de 112 metros do viaduto em construção, esmagando um ônibus, um caminhão e 20 carros que estavam parados no semáforo de uma rua vizinha. Naquele dia, 48 corpos sem vida foram retirados dos escombros. Pode-se dizer que a cobertura da tragédia foi o batismo de fogo de Glória Maria no jornalismo. O terrível acidente chocou o país e se inspirou os versos iniciais da canção “O Bêbado e a Equilibrista”, de João Bosco e Aldir Blanc: “Caía a tarde feito um viaduto...” (Embora, como sabemos, o viaduto tivesse caído no final da manhã. E que música chata...)
Glória Maria fora contratada pela Globo depois de uma participação no programa do Chacrinha com o bloco carnavalesco Cacique de Ramos, no qual ela era uma das princesas. Ocorre que a jovem foliã também era formada em jornalismo pela PUC do Rio e impressionou a todos por sua simpatia e inteligência. Iniciava-se ali a carreira de uma das repórteres icônicas da história da televisão brasileira.
Desde pequeno, sempre vi Glória Maria como sinônimo de TV. Minha geração cresceu assistindo às suas reportagens no Fantástico, no Jornal Nacional, no Globo Repórter, no Jornal Hoje. Alguém pode me questionar: “Ué, Briguet, mas você assistia à Globo?”. Meus amigos, entendam uma coisa: no meu tempo não havia nada mais para assistir. Há anos não vejo mais televisão — a não ser quando almoço na casa dos meus sogros —, mas acredito que a TV brasileira estaria muito melhor se os repórteres tivessem a personalidade, a independência e o amor pela profissão que essa moça tinha.
E eu digo moça sem nenhum tipo de ironia. Ela parecia um desses personagens que não envelhecem: o Chaves, a Mônica, o Cebolinha, o Super-Homem, a Mulher Maravilha, Dorian Gray. Além da eterna juventude, ela possuía a qualidade de não se vimitizar pela cor da pele — e nisso ela faz lembrar um gênio brasileiro, também carioca: Machado de Assis.
De certa forma, o belíssimo nome sem sobrenome da repórter a tornava parte das famílias de todo o Brasil. Que Glória Maria descanse em paz e leve seu sorriso para o Céu. Rezemos por sua alma.
— Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.
"Por apenas R$ 29/mês você acessa o conteúdo exclusivo do Brasil Sem Medo e financia o jornalismo sério, independente e alinhado com os seus valores. Torne-se membro assinante agora mesmo!"