Absurdo jurídico: PGR acata denúncia de Juliana Dal Piva contra Allan dos Santos

Luís Batistela · 18 de Julho de 2024 às 14:26 ·

Além de não ter solicitado uma verificação de veracidade das mensagens na plataforma, Dal Piva encaminhou o caso diretamente à Suprema Corte.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, por meio de uma manifestação apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (17), defendeu a abertura de uma investigação contra o jornalista Allan dos Santos. O caso refere-se à publicação de um print screen que Allan teria feito de uma suposta troca de mensagens na qual a jornalista Juliana Dal Piva desaconselhava um colega a publicar uma matéria denunciando irregularidades cometidas pelo ministro Alexandre de Moraes e pela Polícia Federal (PF) na prisão de Filipe Martins, ex-assessor de Jair Bolsonaro.

A manifestação apresentada por Gonet ocorre no âmbito de uma solicitação de investigação feita por advogados da jornalista. O PGR informou à Corte que é “favorável à instauração de investigação contra Allan dos Santos, com posterior remessa dos autos à Autoridade Policial, para apurar se há uma atuação coordenada com o fim de, deliberadamente, difundir informações falsas com o intuito de interferir no curso da investigação criminal em trâmite no Supremo Tribunal Federal”. “Por fim, havendo ordem vigente de bloqueio das contas de Allan dos Santos em redes sociais, pugna pelo bloqueio das páginas indicadas na representação: @allanconta (“X”) e @allanconta44 (Instagram)”, concluiu Gonet.

Eis a conversa compartilhada por Allan:

Juliana Dal Piva:

— Querido, esqueça o Filipe Martins, apague esse story sobre ele, e por favor, não publique aquela matéria. É uma causa perdida, sejamos pragmáticos. Salvar o Filipe (aquele que fez o gabinete do ódio, lembra?) significa sacrificar a PF e até mesmo o Moraes. Ele vai apodrecer merecidamente na cadeia por uma viagem que ele nem fez, e está tudo bem. Seguimos em frente. Vamos sobreviver. Prometo! Ok?

Jornalista (não identificado):

— Juju, longe de mim defender esse indivíduo, mas a PF falsificou o histórico de viagens dele um mês após a prisão. Estão tentando indiciar o sujeito desde fevereiro. Agora é com eles, depois será nossa vez. Tem conversado com o Mazzoco? Ele saturou com esse caso, e ele sabe que isso vai respingar em todos ali...

Juliana Dal Piva:

— Desde março, todos os nossos colegas já estavam cientes disso. Siga a sabedoria coletiva e deixe esse assunto de lado. A Polícia Federal vai indiciá-lo em breve, é frágil e não tem sustentação, precisamos dar uma ajudinha, entende? Conto com você. Você ainda tem aquela situação pendente... levantar suspeitas sobre o Schor não parece inteligente. Repense e resignifique. Que tal ajudar um asilo? Vamos fazer isso?

Jornalista (não identificado):

— Oxe, tá brincando, é? Ameaça? Tudo certinho contigo? Que história é essa, hein? Foi hackeada, foi?

Juliana Dal Piva:

— Não é ameaça, amor, é só um conselho. Aqui vai mais um conselho, conversei com a Marcela ontem, ela sugeriu que você faça como o Godoy fez e recue com o Wajngarten. A próxima grande novidade que você pode descobrir é que ele só será indiciado com as [aqui foi utilizado um emoji de “diamante”, refere-se talvez às “joias”] se não cumprir o acordo com a PF em relação ao... adivinha? Nazistinha! Seja grato, o seu futuro sobre a Micheque só foi possível graças ao Wajngarten.

Jornalista (não identificado):

— Eu também quero te dar um conselho: não me dê mais nenhum conselho, flor, pode ser? Vou manter a matéria. E não faço isso pra ajudar adversário, mas pra nos proteger do que vem pela frente.

Juliana Dal Piva:

— Em vão, querido. As pessoas mais poderosas do país estão contra um ex-assessorzinho de nada. O pobrezinho está preso e indefeso. Existem “amigos” do próprio Filipe colaborando com a PF. “Se não existe crime, basta criar um crime.” Quem sempre falou isso? Se você mudou, eu não mudei. Quando a consciência bater, leia alguns tuítes do nazi que passa. Vou dormir, querido... me deseje boa sorte. Amanhã meu dia será ótimo e o seu também, se você esquecer essa história. Beijos de luz.

Nota-se algo bastante peculiar no fato de a jornalista, por meio de seus advogados, não ter solicitado uma verificação da veracidade das mensagens na plataforma em que foram atribuídas, porém, desde o início, ter encaminhado uma representação criminal (delatio criminis) contra Allan ao ministro Luís Roberto Barroso, da Suprema Corte. No texto, os advogados da jornalista nem sequer citam Martins, mas conduzem a argumentação citando a “atribuição à Juliana Dal Piva de troca de mensagens que supostamente mostrariam a jornalista confessando um plano do ministro do STF Alexandre de Moraes para prender o ex-presidente Jair Bolsonaro”. Jair Bolsonaro? Bom, sigamos. Eis o trecho completo:

“Na madrugada de sexta-feira, 21 de junho de 2024, o senhor Allan dos Santos, ora representado, foragido da Justiça brasileira, com o intuito de caluniar a peticionária, Juliana Dal Piva, publicou mensagens na rede social X e no Instagram atribuindo à representante uma série de supostos crimes em uma conversa que nunca existiu. No centro do conteúdo fraudulento divulgado, está uma teoria da conspiração, qual seja: atribuição à Juliana Dal Piva de troca de mensagens que supostamente mostrariam a jornalista confessando um plano do ministro do STF Alexandre de Moraes para prender o ex-presidente Jair Bolsonaro”.

Para afirmar que as mensagens eram forjadas, os advogados citaram uma análise conduzida pela agência Aos Fatos, que “apontou a existência de “indícios de edição” e concluiu que as capturas de tela utilizadas para caluniar a representante “são falsas”:

“São falsas as mensagens compartilhadas pelo blogueiro foragido Allan dos Santos e atribuídas a Juliana Dal Piva que supostamente mostrariam a jornalista confessando um plano do ministro do STF Alexandre de Moraes para prender o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Os prints compartilhados por Santos nas redes contêm indícios de edição. Além disso, a jornalista nega a autoria dos textos.”

No entanto, a representação não menciona nenhum tipo de análise realizada pela própria rede social, apenas pela agência citada anteriormente.

“O óbvio, às vezes, precisa ser dito. Os prints que circulam com uma montagem do meu rosto são falsos. Esta madrugada passei a ser alvo de uma campanha difamatória que forjou conversas que nunca existiram. Não vou reproduzir aqui já que o objetivo é justamente DESMENTIR.

Quem me conhece, o mínimo, sabe que eu jamais escreveria tais mensagens, inclusive com tanto erro de português. Para os que viram os prints, é possível ver que não tem a foto do interlocutor, justamente para ajudar a criar a confusão.

Notícia ruim para essa turma é que continuarei fazendo o meu trabalho como jornalista independente de qualquer ataque ou campanha de difamação. E, por certo, as providências legais estão sendo verificadas. Agradeço a quem puder espalhar a verdade”, escreveu Dal Piva em suas redes sociais.

Fato é que as mensagens parecem ter sido repassadas a Allan por uma fonte, respaldado pelo direito constitucional de acesso à informação, conforme estipulado no artigo 5º, inciso XIV, que prevê o resguardo de informantes, “quando necessário ao exercício profissional”. Caso Dal Piva solicitasse uma verificação na rede social responsável, a plataforma poderia requerer dados mais específicos para análise das mensagens. Isso poderia potencialmente expor as fontes da própria jornalista. Na prática, ao optar por não solicitar a verificação na plataforma e encaminhar uma representação contra Allan ao STF, Dal Piva parece proteger seus informantes enquanto aparentemente busca expor a fonte de Allan.

Enfim, podemos observar mais um elemento atípico na ocorrência. Normalmente, um caso semelhante a este seria encaminhado a um juizado especial, ou seja, um tribunal de primeira instância, devido à simplicidade jurídica de um possível crime de honra contra Dal Piva. No entanto, a defesa da jornalista o encaminhou diretamente à Suprema Corte, a mais alta instância do judiciário brasileiro, nas mãos de Luís Barroso. Adiante, com o parecer da PGR, o processo terá Moraes como relator. O ministro já havia emitido uma ordem de prisão contra Filipe Martins, além de ter determinado a prisão e a extradição de Allan dos Santos em outubro de 2021.

 


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