A Suprema omissão de Moraes: uma análise de Ludmila Lins Grilo
“Ele [Moraes] abre os inquéritos ilegais, mantém pessoas presas arbitrariamente, atua como vítima, acusador e julgador ao mesmo tempo, dentre outros absurdos", disse Ludmila Lins Grilo.
O falecimento de Cleriston Pereira da Cunha nesta segunda-feira (20) não é apenas uma fatídica eventualidade. Além da parada cardiorrespiratória, existem outros agentes por trás de sua morte. Cleriston é a primeira vítima fatal da ditadura do Supremo Tribunal Federal desde os ocorridos do 8 de janeiro. Em artigo publicado na plataforma Locals, a jurista e escritora Ludmila Lins Grilo aborda como a omissão do ministro da Suprema Corte, Alexandre de Moraes, e do presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco, também auxiliaram na construção do cenário crítico que levou a óbito um “pai de família” no Presídio da Papuda.
Cleriston Pereira da Cunha, 46 anos, empresário, casado, pai de duas filhas, natural de Feira da Mata (BA), residente há mais de 20 anos em Brasília, conhecido como “Clezão”, é a primeira vítima fatal da ditadura democrática instaurada pelo STF desde os acontecimentos de 8 de janeiro. A fatídica eventualidade sofrida por Clezão, segundo a jurista, pode ser classificada como uma “tragédia anunciada”. Juntos, Moraes e Pacheco, também deverão ser apontados como autores do cenário político que culminou na morte do empresário.
Em maio deste ano, a defesa de Cleriston solicitou a revogação de sua prisão preventiva. Além de sustentar a ausência de materiais que comprovassem sua conduta ilegal no 8 de janeiro – como documentos, vídeos e fotos –, a defesa também apelou ao quadro clínico de Clezão, devido as debilidades adquiridas pela Covid-19. Os advogados apresentaram, inclusive, um laudo registrado pela médica Tania Maria Liete Antunes de Oliveira, que demonstrava a possibilidade de “risco de morte por imunossupressão e infecção” do empresário, tal como as duas consultas marcadas para os dias 30 de janeiro e 27 de fevereiro que não obtiveram o comparecimento de Cleriston em função de seu encarceramento.
“Em função da gravidade do quadro clínico, risco de morte por imunossupressão e infecção, solicitamos agilidade na resolução do processo legal do paciente, até pelo risco de nova infecção por Covid que pode agravar o estado clínico do paciente. Possuía consulta no ambulatório de reumatologia da HRT agendada para dia 30 de janeiro de 2023, às 13 horas, mas não compareceu devido ao impedimento legal. Não compareceu à consulta dia 27-02-23 devido à mesma situação. Necessita manter o acompanhamento médico contínuo e o uso dos medicamentos prescritos de forma correta”.
A defesa exigiu que o empresário passasse a responder em liberdade ou, no máximo, fosse direcionado à prisão domiciliar. Pouco mais de três meses após a solicitação dos advogados, o Procurador da República Carlos Frederico dos Santos respondeu dizendo que “não mais se justifica a segregação cautelar, seja para a garantia da ordem pública, seja para a conveniência da instrução criminal, especialmente considerando a ausência de risco de interferência na coleta de provas”, decidindo pela soltura de Clezão. Mesmo com o parecer do Ministério Público Federal, Moraes despachou o processo somente após da morte de Cleriston.
Diante do ocorrido, o ministro requisitou “informações detalhadas sobre o fato, inclusive com cópia do prontuário médico e relatório médico dos atendimentos recebidos pelo interno durante a custódia”. Para Ludmila, a solicitação de Moraes nada mais é que um “cinema”, uma mera simulação de tomar “grandes exceções judiciais ante a direção do presídio” para delegar a responsabilidade do óbito à penitenciária. A jurista ainda discorre que, segundo as apurações de informações do parlamentar Marcel Van Hattem, não houve negligência médica no que condiz ao Presídio da Papuda.
“O cinema dele é comovente. Sabemos que não se trata de preocupação com a capacidade do presídio fornecer atendimento médico, mas sim, fingimento histórico, simulando estar tomando grandes exceções judiciais ante a direção do presídio, quando a responsabilidade é apropriada dele [...].
Aliás, segundas informações apuradas pelo deputado Marcel Van Hattem, constam informações nos autos no sentido de que Cleriston recebeu mais de trinta atendimentos médicos na Papuda, o que significa que o presídio não o negligenciou, ao contrário: estava fazendo o que estava a seu alcance a alguém que já era para estar solto. Quem o negligenciou foi Alexandre de Moraes”.
A escritora argumenta que Moraes está intrinsecamente envolvido com o desfecho da morte de Cleriston. “O artigo 13 do Código Penal responsabiliza aquele que dá causa ao resultado, e estabelece claramente que essa causa pode se dar por ação e por omissão. É causa tudo aquilo que chamamos condição sine qua non , ou seja, condição ‘sem a qual não’: condição sem a qual o resultado não aconteceria”. Como “agente garantidor” – aquele que está obrigado a evitar um ato danoso, pela ordem normativa – o ministro é empossado de autoridade para responder no intuito de evitar qualquer eventualidade prejudicial que esteja dentro de suas funções. Mas, na prática, não é bem isso que acontece.
“Ele [Moraes] abre os inquéritos ilegais, mantém pessoas presas arbitrariamente, atua como vítima, acusador e julgador ao mesmo tempo, dentre outros absurdos. Moraes atua ativamente, e quanto a isso não há qualquer discussão. Se suprimirmos Moraes mentalmente do curso causal, não haveria inquéritos ilegais, Cleriston não teria sido preso ilegalmente e, por consequência, não teria morrido como morreu.
Ao instaurar inquéritos inconstitucionais e realizar milhares de prisões políticas a granel, de uma tacada só, Moraes atribui a si próprio poder persecutório inexistente no ordenamento jurídico, e arrasta consigo, consequentemente, a responsabilidade de tudo o que aconteceu com as pessoas a partir de dali. Sabendo da dificuldade do presídio provar as necessidades físicas imediatas dos presos (muitos idosos ou doentes), além da incapacidade de seu próprio gabinete despachar em tempo hábil, Alexandre pode até não desejar diretamente a morte de ninguém (dolo direto), mas assumir o risco de ocorrência desse resultado, caso ocorra uma ocorrência. Estamos aqui diante da figura do DOLO EVENTUAL”.
Ludmila explica que compete ao dolo eventual a mesmíssima responsabilidade do dolo direto. Desta forma, Moraes deve ser classificado entre as causas do resultado morte de Cleriston, “uma vez que tinha o dever de agir para impedir o resultado e não o fez. Como agente garantidor, incide na tipificação homicídio consumado, duplamente atualizado pelo motivo torpe (fins políticos) e mediante uso de tortura, conforme previsão do artigo 121, §2º, I e III do Código Penal”.
Rodrigo Pacheco, por sua vez, tem uma postura um pouco mais delicada em meio ao ocorrido.
Como presidente do Senado Federal, Pacheco tem o dever constitucional de pautar o processo por crimes de responsabilidade de Moraes (artigo 52, II da CF e art. 8º Regimento Interno do Senado). Desta forma, o senador permanece omisso e responde aos “crimes do ministro”. “Só Pacheco poderia iniciar o procedimento de afastamento de Moraes, de forma que apenas ele é o garantidor de todos aqueles a quem Moraes injustiça. Pacheco não só tem o dever legal de agir, como SÓ ELE pode agir, o que torna seu dever como agente garantidor ainda mais crucial . Nexo causal configurado por omissão imprópria. Pacheco é agente garantidor na forma do art. 13, §2º do CP”.
“... nos próximos vinte anos, havendo alguma moralização política no Brasil, com uma suprema corte realmente independente, não apenas Moraes, mas Pacheco e todos os outros que compõem o nexo causal poderão responder a processos criminais pela morte de Cleriston e pelos demais que vierem a ocorrer entre os presos políticos durante a atual ditadura do judiciário - sem contar as demais claramente constitucionais incruentas”.
Por fim, Ludmila destaca a atuação das Forças Armadas – “fazendo as senhorinhas entrarem nos ônibus pensando que estavam sendo protegidas, quando estavam sendo levadas para o campo de concentração da Polícia Federal” – e de todos os juristas e escritores que abnegam da honestidade intelectual para submeterem-se às medidas persecutórias dos governistas e ministros da Suprema Corte. “Os crimes que estão acontecendo via força estatal, já há quatro anos – e que só pioram – se enquadram nos crimes contra as previsões de humanidade pelo Estatuto de Roma (art. 7º, n. 1, disposições “e” e “h”), mais especificamente a prisão ou outra forma de privação de liberdade física grave em violação das normas fundamentais de direito internacional, e a perseguição de grupo ou coletividade por motivos políticos”.
Saiba mais em: Moraes e Pacheco: o indisfarçável nexo causal entre a ação de um, a missão de outro, e o resultado morte
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