A ditadura dos nhonhocratas
“A maior pena da maldade é crescer na semelhança de homens maus” (Platão, Leis, 728)
Notei nestas últimas semanas uma fixação do centrão fisiológico, doravante batizado de nhonhocratas, por alguns jargões: “espírito republicano”, “pacificar”, “ala ideológica” e o já famoso “pragmatismo”. A gente sabe que a política pede, quase que naturalmente, por alguns jargões, e às vezes precisamos humildemente apelar a estes como último recurso, mas… a negada anda abusando.
A despeito das intenções políticas, que se resumem sempre a poder, a nhonhocracia é a encarnação da nossa nação de diplomados analfabetos funcionais no poder político. Nem o fofolete do Rodrigo Maia, o Nhonho-Mor, nascido em berço de ouro, com genealogia laureada por intelectuais e políticos importantes, consegue nadar fora do piscinão de idiotices da cultura média brasileira.
No inferno astral da Secretaria da Cultura, a palavra de ordem foi “pacificar”. Mas só se pacifica algo que estava em estado de guerra, certo? De fato, vários dos exonerados pela secretária Regina Duarte estavam em guerra com a mediocridade cultural ofertada já tradicionalmente ao povo; o entretenimento à guisa de cultura encarava um adversário: o acesso à alta cultura para os que não nasceram na nhonhocracia. De acordo com um pragmático general, esses belicosos eram a tal “ala ideológica”. De acordo com a Regina eram uma “facção que queria ocupar um espaço”.
Olha só, que curioso: um grupo de servidores públicos e intelectuais que queria acabar com pautas culturais esquerdistas alheias à vontade da maioria do povo que elegeu um presidente de direita, possibilitando então que o processo democrático que permitiu a eleição de tal presidente se concretizasse no campo onde trabalham, o cúmulo da praxis e objetividade, são taxados de “ala ideológica” por um velhote que se julga pacificador de um conflito que só existe na cabeça daqueles que perderam a eleição – é uma palhaçada dessa que chamam de pragmatismo! Essa gente é analfabeta ou mau-caráter, sem terceira opção possível.
O general sabe tanto de ideologia quanto sabe o que é pragmatismo. Assim como o Nhonho, ele acha muito bonito o som de sua própria voz dizendo palavras retumbantes – que ressoam diretamente do oco de suas almas para o oco do cérebro dos jornalistas – “era tão bom quando era sempre assim” – suspira uma velha viúva nhonhocrata, saudosa dos salamaleques às instituições e amedrontada com a iconoclastia da ala ideológica que não respeita os cacoetes de bacharel mui douto dos nhonhos e nhonhas prudentes e sofisticados.
O Nhonho Maia deu para se achar um defensor do “espírito republicano”, dando um peso ao termo “republicano” em suas últimas falas como se 1) ser republicano fosse a coisa mais nobre e correta do mundo; 2) ele soubesse mesmo definir qual o referencial, na nossa conjuntura, desse termo muito garboso. Sim, porque palavras precisam de um referencial na estrutura da realidade, seja ela virtual ou factual, caso contrário, apenas a palavra em si (e seu significado léxico) desancorada de algo ao qual queiramos nos referir transformará qualquer discurso num emaranhado de termos que podem ser reinterpretados infinitamente ao bel prazer do ouvinte ou à conveniência de quem os profere.
Para uma classe que fala tanto em pragmatismo, é realmente cômico como os termos de seus discursos carecem da solidez prática da qual esta corrente filosófica tanto se gaba. O pragmatismo dessa gente é só um disfarce para a jacuzice de espírito que os assola, que os tornam cegos para qualquer complexidade filosófica que envolva a política. Querem gerir um governo como se fossem um rapaz pimpão que acabou de fazer um curso de coaching e vai dar tudo de si para bater as metas de venda do setor de cacarecos de cozinha na loja de departamentos onde trabalha, prontos para motivar sua equipe com slogans e frases-feitas.
O homem pragmático, figura tão real quanto caricata, está por todo a parte, se você prestar bastante atenção: ele é trabalhador, esforçado, tirou boas notas na escola e passou num excelente concurso público, e quando não é oriundo das fileiras colegiais ele é um comerciante meio xucro que trabalhou muito para ter sucesso, e uma coisa em comum entre ambos é que geralmente eles creditam sua ascensão financeira ao pragmatismo – nada de ideologias, o que importa é resultado, dinheiro no bolso; discussão não paga minhas contas – orgulha-se, quase estoicamente, o homem pragmático.
O homem pragmático se casa e tem filhotinhos. Fascinado pelos valores liberais que permeiam a sociedade materialista que o pragmático tanto admira, ele faz questão de terceirizar com muito esmero a educação de suas crias – melhores colégios, cursos de idiomas, viagens à Disney na infância e férias na Europa com amigos depois da faculdade – o garoto precisa ter bons amigos e boas notas para ter uma carreira brilhante.
O filho do homem pragmático herdou o gosto pelo materialismo do pai, e foi lapidado com o malho do progressismo na sua educação laica, terceirizada e de qualidade. Ele aprendeu uma porção de termos impressionantes, e aprendeu que estas palavras servem para isso: impressionar, articular, obter o controle do poder, uma série de coisas; elas só não servem para exprimir o que ele realmente pensa e para referenciar a realidade, afinal, ousar fazer um discurso duro que jogue a realidade na cara das pessoas e exponha o que se sente e pensa é radicalismo, ideologia e mais uma série de palavras que nem sequer são sinônimos mas ele aprendeu a dizer como se fossem.
O filho do homem pragmático e seus amigos são os nhonhos, os meninos mimados e sedentos do poder que herdaram de seus pais e avôs. Alguns são novos ricos, outros tem estirpe, mas todos são uns bundões criados a leite com pera, com aquele ar de alguém que está sempre certo por usar um terno e palavras mansas. Eles se dizem pragmáticos fingindo não perceber o conjunto dos desdobramentos práticos de seus discursos e das escolhas do povo na urna. Eles se dizem republicanos, mas vivem uma vida nababesca que faria inveja a qualquer monarca. Fingem que as aristocracias da Monarquia foram vencidas por uma democracia, mas apenas cooptaram o sistema liberal para este sustentar suas oligarquias.
A nhonhocracia é a mais terrível tirania que já existiu: a tirania do idiota, do analfabeto-funcional, do verme que se proclama rei por estar no topo da montanha de esterco e lutará para que a montanha assim permaneça.
— Brás Oscar é membro de uma facção ideológica não pragmática sem espírito republicano, youtuber e colunista, para desgosto de seus pais pragmáticos.
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