TEMPOS DE COVID

A cosmologia periodística da semana ou o conhecimento por ausência

Cristian Derosa · 13 de Julho de 2020 às 16:06 ·

Por que empilhamos fatos se em poucos minutos já os esqueceremos? O desejo insaciável pela posse de todos os momentos nos faz acreditar num redemoinho de fatos irremediáveis que nos aprisiona a uma falsa percepção do tempo, o que consequentemente nos leva a graves erros existenciais. Mas quem ousa fugir do estreito matadouro do periodismo?

Notícia vem da palavra latina novelle, que significa “nova comunicação”. Está implícita na palavra a novidade, atualidade. O critério e valor de um relato noticioso, assim, é inseparável da ideia de último, recente. Segundo Tobias Peucer, novelle, de uso corrente entre os franceses, já era usada no Império Romano para designar as disposições mais recentes. Mas Peucer prefere a palavra relationes (relatos), já que se trata de uma forma de história, a dos relatos esparsos, que se separaram da história universal em um subgênero das “palavras dignas de serem contadas”.

Não há dúvidas de que o maior valor de noticiabilidade do jornalismo hoje é o da atualidade. Ele diz respeito ao último ocorrido, ao mais recente átomo fático que se apresenta como que no cume civilizacional, um ápice, um clímax informativo no qual se regozijam cidadãos exemplares da democracia, o bem informado, ideal indivíduo da sociedade contemporânea. Mas se a atualidade é um valor é porque vivemos num mundo cuja hierarquia vertical coloca no topo humano nada mais além do novo. Mas de onde vem a sua importância vital? Serão os novos fatos da manchete mais recente a alarmante notícia que nos põe diante dos últimos e derradeiros momentos da humanidade na Terra? Falariam eles algo sobre o juízo individual ou o Juízo Final? Não. São só bagatelas medíocres de interesse questionável que nos assaltam aos olhos e ouvidos.

Engana-se, porém, quem pensa que o jornalismo é uma atividade ligada ao efêmero. Antes fosse. A atividade jornalística tem muito mais do que o poder de contar e mudar a nossa história. Tem o poder de destruí-la. De causar o esquecimento progressivo. E faz isso através do acúmulo de fatos selecionados que direcionam a cabresto a nossa sede de sentido a uma narrativa inescapável. Se alguma notícia é efêmera, nossa característica humana dá jeito de conceder sentido e colocá-la um contexto, seja ele qual for, a depender mais das carências individuais ou grupais.

Mas o consenso é de que importam as últimas notícias, como se de fato vivêssemos os últimos dias. E talvez esse progressismo, como evolucionismo escatológico, tenha se desenvolvido dos debates teológicos acerca do momento do fim. Se seremos assaltados pelo Supremo Juízo, como classificou Cristo, nada mais justo e prudente que estar atento e alerta às últimas postagens em busca do sentido da história.

Afinal, como filhos legítimos do progressismo, os periódicos consagram a crença de que o tempo presente encarna a superação dos anteriores. Mas pergunte a um progressista se ele compreende, por exemplo, a filosofia Escolástica da Idade Média ou o pensamento de Descartes em profundidade. Invariavelmente, a ideia de superação de uma velha mentalidade por uma nova é produto da mais profunda ignorância até mesmo sobre a essência das ideias contemporâneas. É esse estado de coisas que o jornalismo alimenta, nutre e mantém com mais vigor a cada dia.

 

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