DITADURA DO STF

A corrupção da inteligência jurídica

Evandro Pontes · 5 de Maio de 2020 às 16:11 ·

As recentes decisões dos ministros Moraes e Barroso não constituem casos de ativismo jurídico. São fenômenos de corrupção da inteligência jurídica, golpes cometidos em nome da lei

Muito se tem dito sobre as decisões dos ministros Moraes e Barroso e a eles imputado certo “ativismo judicial”.

Há, entretanto, uma falha de essência no conceito. O que fez o ministro Moraes ao impedir que o Presidente da República nomeasse o diretor da ABIN como chefe da Polícia Federal, bem como o que fez o ministro Barroso revertendo decisão diplomática de expulsão de embaixadores venezuelanos, não é ativismo judicial.

Ativismo judicial é o que faz habilmente o ministro Mendes ao conceder ordem de habeas corpus a presos provisórios de certa periculosidade.

Qual a diferença, então?

Simples. Primeiro temos que entender como funciona essa “máquina geradora de soluções” a  que dão o nome de direito.

O direito se compõe de fatos da vida e de uma norma, escrita ou não escrita, que se encaixa nos fatos e propõe uma solução. Essa operação os juristas chamam de subsunção do fato à norma.

O jurista, advogado, juiz, promotor ou operador de plantão precisa, diante dos fatos que lhe chegam ao conhecimento, fazer “recortes”. Qual seja, operam-se apenas os detalhes relevantes para recontar, em juízo, uma história da vida: fulano entra na casa de sicrano, tal dia, tal hora e, portando um revólver, é alvejado pelo dono da casa, que também estava armado. Se fulano é de Áries ou Capricórnio (piada interna) isso “não vem ao caso” (eis a origem do termo, leitor).

O ato seguinte é procurar na legislação onde há uma descrição próxima. E aí encontramos no artigo 121 do Código Penal tudo o que precisamos: tentativa de homicídio qualificado obstada por legítima defesa. 

Ignoremos por ora o detalhe processual de que esse crime se resolve por equidade e imaginemos um juiz resolvendo um caso semelhante. Veja que o jurista faz dois recortes: um, na vida real, outro, na legislação – portanto, se o nome de sicrano foi tirado do Serasa pelo Ciro Gomes (piada externa), isso também “não vem ao caso”.

O resultado disso, descrito na norma, é que nenhuma pena deve ser aplicada a sicrano; e fulano, caso sobreviva, terá que responder por tentativa de homicídio qualificada, podendo pegar até 30 anos de abraços e cartinhas do Drauzio Varella. Essa extração de resultado da norma os juristas chamam de interpretação.

Não confunda com a subsunção, que é quando casamos fatos à norma correta (este detalhe é importante).

No ativismo judicial, o intérprete cuidadosamente insere elementos aparentemente irrelevantes para distorcer o ato de interpretação. Ele aplica a norma correta, ele leva em consideração todos os fatos necessários, mas também insere alguns desnecessários e inúteis juridicamente, mas com alto valor ideológico.

Exemplo?

Vamos ficar nesse exemplo de invasão de domicílio com tentativa de homicídio seguida de legítima defesa. O juiz ativista insere dois fatos verdadeiros nessa operação, mas juridicamente irrelevantes porque não constam da norma: o de que fulano é pobre e de que sicrano é rico.

Inserindo esses elementos, o juiz não prejudica nem interfere nos direitos de cicrano – absolve-o por legítima defesa, mas, na outra mão, também absolve fulano levando em consideração a sua situação “sócio-econômica”.

Uma marca fundamental do ativista judicial é a sua tendência, por exemplo, ao abolicionismo penal. Ativistas têm verdadeiro horror a penas. Eles têm, por razões ideológicas anteriores às jurídicas, um enorme espanto diante sanções, sejam elas penais ou meramente cíveis. Ativistas são lenientes com devedores, homicidas, falidos, estelionatários, estupradores, pedófilos e esse monte de gente linda que anda solta por aí praticando atos contra a lei.

No ativismo, a aplicação da norma é correta e o recorte dos fatos não comporta defeitos, mas há uma clara fraude na interpretação.

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