A conversão do Brasil (muito além do tic-tac)
Não podemos desprezar a força espiritual presente no movimento conservador brasileiro. O país despertou e nunca mais será o mesmo
A história da expansão do Cristianismo pelo mundo tem seus momentos de profunda alegria e esperança, mas também episódios que nos causam espanto. Foi no século XIX que o Ocidente chegou aos confins da terra, o Pacífico Sul, quem sabe a última fronteira. Os europeus encontraram ali uma população sedenta pelo novo, e muito aberta à religião cristã, ao contrário do que pensam muitos de nossos intelectuais de hoje. Os missionários cruzaram os oceanos antes dos mercadores. A mensagem do Evangelho era recebida como se fosse uma notícia esperada há muitos séculos. A mensagem se espalhava para as ilhas mais remotas antes até dos missionários, criando a esperança de que ilhotas longínquas também receberiam um dia os visitantes que a pregavam. Mercadores e piratas perceberam que o povo das ilhas era mais receptivo aos missionários do que a eles, que ofereciam apenas meras mercadorias. Começaram então a imitar os gestos e rituais dos missionários, faziam performances imitando orações e ritos de cura para extorquir propriedades e receber sinal verde para suas empreitadas em terra. Esses piratas e marinheiros não eram alfabetizados, cantavam músicas profanas fingindo ser hinos, e seguravam nas mãos outros livros fingindo ser a Bíblia. Isso se tornou uma estratégia de conquista de muitas ilhas, enraivecendo os missionários. Um dos missionários que se escandalizou com a prática foi John Williams, que a descreveu-a em seu livro de 1883, A Narrative of Missionary Enterprises in the South Sea Islands. Em uma passagem do livro, ele pergunta a um desses marinheiros se o povo que o recebia entendia o que ele transmitia. O marinheiro responde com franqueza: “Não, mas eles sabem que lhes faz muito bem.”
Permitam-me usar esse breve momento na história da expansão do Ocidente como ilustração para propor uma leitura do clima político no Brasil.